Para onde caminhamos?

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 14.09.2020

A foto postada por Nilza Prata nas redes sociais diz muito do que nos tornamos, o que fizemos e para onde caminhamos. Em meio a uma pandemia, para comemorar a “independência do Brasil”, multidões de brasileiros de todas as idades se lançaram a uma grande aventura que deixou rastros de destruição em praias, parques com cachoeiras e áreas conhecidas como próprias para veraneio. Não bastaram as queimadas criminosas que consomem áreas do pantanal e da Amazônia. Não bastaram os mais de 125 mil mortos.

Faz sentido sujar a praia para depois tomar banho no meio da sujeira e ainda desrespeitando o necessário distanciamento para se evitar o contágio ou a disseminação do novo coronavírus?

Nestes últimos tempos, com muita frequência, muita gente está indagando para onde caminha a humanidade. Aliás, esta questão está posta há milhares de anos e já foi tema de filme. Mas agora estamos movidos por um novo inimigo, a COVID-19, e muitas perguntas são feitas sem que se tenha respostas, até porque, assim como as perguntas, a lógica para as respostas tem aspectos diversos na sociedade.

Somos impulsionados por vários sentimentos que põem em risco as nossas vidas e dos nossos semelhantes. Tem sido difícil compreender a reação de grande parte da população diante de uma ameaça tão evidente, a morte.

Quando estamos próximos do que se chama velhice é que nos damos conta – também a nossa geração – que não aprendemos a lidar com as peculiaridades que o planeta terra apresenta no seu processo de evolução. Nem mesmo aprendemos que somos parte desse processo. Tanto é assim que tratamos de destruí-lo em menos de 500 anos. Pensamos que somos os donos do planeta e os outros seres vivos são nossos subalternos. Assim aprendemos nas escolas, com as ‘teorias humanistas’.

Durante este período fomos dominados por um sistema de produção que se estruturou na exploração da terra. Usando de pouca inteligência e motivados pela ganância, o ser humano começou a explorar o subsolo da terra, rompendo com as fundações do solo que se mantinha para extrair gás, petróleo e carvão. Pensando que a Terra permaneceria lá, sempre, intacta.

Criamos uma civilização inteira baseada no uso de fósseis. Usamos tantos recursos que agora estamos recorrendo ao capital fundiário, em vez de obter benefícios dele, segundo alguns cientistas.

“Tivemos outras pandemias nos últimos anos e foram emitidos avisos de que algo muito sério poderia acontecer. A atividade humana gerou essas pandemias porque alteramos o ciclo da água e o ecossistema que fazem o equilíbrio no planeta. Desastres naturais — incêndios, furacões, inundações — continuarão porque a temperatura na Terra continua subindo e porque arruinamos o solo. Há dois fatores que não podemos deixar de considerar: as mudanças climáticas causam movimentos da população humana e de outras espécies. A segunda é que as vidas animal e a humana estão se aproximando todos os dias como consequência da emergência climática e, portanto, seus vírus viajam juntos”. (Jeremy Rifkin)

Agora, atravessando a pandemia, no meio de grandes crises sem que se vislumbre ainda a saída, e diante da mobilização das pessoas em busca de refrigério no feriado da Independência, todos fazem a pergunta: para onde vamos?

Pergunta que não é fácil de se responder, acrescentada por outras durante essa travessia. Quem são os culpados? Qual instância de governo cuida do problema, ou seja, de quem são os doentes e mortos? O que se fazer com a economia que não pode parar? Quais sacrifícios esperamos de todos? O que acontecerá com o bem-estar de cada pessoa?

Na verdade, quando fazemos esses questionamentos estamos falando do nosso modo de vida atual e do bem-estar que não se quer perder.

O primeiro instinto da maioria da pessoas é dizer que a vida é a coisa mais importante e, portanto, não há razão para considerar outra coisa senão tentar salvar a todos a qualquer custo. Para isso, decidimos colocar em risco os profissionais de saúde, sem dar muito espaço para dúvidas, para as dificuldades estruturais da rede de saúde, para as deficiências históricas do SUS e o uso inadequado dos seus recursos. Apesar da população manifestar agradecimento, o que fica são as atitudes tomadas com o relaxamento das medidas.

Mas há quem diga, do alto de sua autoridade de governante máximo do país, que a morte não importa, já que um dia morreremos todos.

No que tange à economia, a questão é vista e sentida de modo diferente. Há os que se manifestam através dos movimentos das bolsas de valores, da oscilação dos lucros, pela queda do preço do petróleo.

A economia também está relacionada à vida e à morte das pessoas, principalmente das populações mais pobres e vulneráveis. Inclusive, há os que aproveitam para fazer negócios com medicamentos não comprovados para a cura da doença causada pelo novo coronavírus e os que desviam os recursos públicos da sua real utilização.

As medidas de isolamento social impostas na maioria dos países vão causar recessão econômica, sem dúvida, e as recessões poderão causar mais morte de pessoas de várias formas. Em lugares como o Brasil, onde o desemprego e a falta de assistência já eram notórias, a escassez de recursos e alimentos não é uma questão a ser vista num longo prazo. Já está acontecendo.

No auge da revolução industrial no Brasil, o País conviveu com uma mudança intensa da população rural para as cidades, em apenas duas décadas, entre 1960 e 1980.

Famílias inteiras que saíram para a cidade foram impulsionadas não pela melhoria da qualidade de vida, a benesse, mais pela falta de condições de viver numa terra sem condições de desenvolver um plantio para sobreviver, por causas variadas, como concentração da terra e a mecanização agrícola, o infortúnio.

Rapidamente formou-se o que é o País atualmente, um amontoado de gente nos grandes centros urbanos, vivendo, a maioria, miseravelmente em cubículos nas favelas ou periferias urbanas, como são chamados os lugares insalubres, sem sistema de esgotamento sanitário, onde o Estado não chega para redistribuir o dinheiro dos impostos.

Para muitos, em alguns momentos a aparência é de felicidade. A sobrevivência é difícil. A renda vem do salário mínimo, mais na informalidade e, agora, no chamado empreendedorismo. Em 2006, um relatório divulgado pela ONU apontou uma estimativa de que o Brasil teria cerca de 55 milhões de pessoas morando em favelas em 2020, o que equivaleria a 25% da população do país.

A desigualdade social no país certamente ganhou muita força entre as décadas de 60 e 80. Rapidamente formaram-se contingentes de pessoas desempregadas, sem qualificação profissional e inseridas nesse mundo do consumo extravagante.

A questão agora é: o que podemos fazer para melhorar a vida e o que pode ser construído pela população mais jovem que consiga redefinir o rumo da história dessa destruição, após a pandemia?

Os dilemas são tantos.

Diante de tantos dilemas, não podemos apenas esperar respostas concretas. Necessitamos, sobretudo, tentar mudar o que há dentro de nós. Afinal de contas, a nossa vida na terra é tão curta.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

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