Não basta parecer mau, é preciso ser
Ayrton Maciel*
Em 29.03.2021
Não basta parecer perverso, é preciso ser perverso. O trocadilho foi tomado de empréstimo do provérbio romano “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, nascido da frase do imperador Júlio César – “minha esposa não deve estar nem sob suspeita” – a respeito da honorabilidade daquela que fosse a sua consorte. O sofisma pode ser multiplicado: “não basta parecer maluco, é preciso ser maluco”. E para ser e parecer bastam atos, falas e posturas. Ninguém é mau ou louco, nem parece mau ou louco, por acaso. São consequências da fisiologia e do comportamento humanos.
Há poucos dias, em noticiário de rádio, foi ao ar uma matéria com um famoso psiquiatra, na qual ele abordava os sintomas da psicopatia: insensibilidade, frieza e ação calculada para atingir algo ou alguém; ausência de comoção, emoção e solidariedade; indiferença à gravidade das consequências de seus atos, tudo voltado para alcançar seus objetivos e satisfação. Na literatura científica, há diferenças entre a psicopatia e a sociopatia: a personalidade do psicopata é mais fria e calculista, a do sociopata é mais impulsiva e irresponsável. Entendi assim, nada diferente do que o Brasil tem visto.
Na semana em que o pais passou das 300 mil mortes, já indo a mais de 312 mil óbitos pela Covid-19, numa mortandade diária assustadora, deduz-se que alguém vai ter de responder por essa tragédia humanitária. Ou seja, por um desgoverno psicopata. Em um ano, não houve coordenação, não houve unidade, não houve plano de enfrentamento nacional unitário da pandemia. Foi – e continua sendo – cada Estado por si, e Deus por todos. Depois que a morte não for mais a aflição diária dos vivos, o julgamento vai ficar só para a história? A Covid-19 restará como se fosse uma questão de sorte e azar? Jair Bolsonaro vai ter de acertar contas nas cortes, aqui ou fora daqui. É o que a lembrança dos mortos espera.
Mas, não basta parecer perverso. Incólume à imagem de insensível, desumano e egocêntrico, o presidente da República não dá a mínima ao que pensam dele, sente-se acima do bem e do mal. Ex-aliados morrem, e Bolsonaro permanece imóvel. Nem a civilidade do cargo o move da altura da soberba. Foi assim com o ex-senador major Olímpio (morto pela Covid-19), e da mesma maneira com o ex-advogado, ex-amigo e ex-ministro Gustavo Bebianno, de infarto. Bolsonaro não tem a preocupação em esconder o que ele é. Para o presidente, é preciso ser, não só parecer, porque as atitudes o realimentam. Há prazer no sofrimento do opositor. Há indiferença na dor do desconhecido.
Irracional e alienado, o governo Bolsonaro sabe que uma pandemia não é uma questão ideológica. Não tem fronteiras. Porém, a ideologia radical cega e desafia os riscos. Imagina inimigos onde há só divergentes e desconhece aliados onde existam racionais, por isso não quis vacinas, esnobou quem ofereceu e agrediu – ato ideológico – quem podia fornecer imunizantes e insumos, a China. A irracionalidade está custando caro aos brasileiros: a vida. Com o governo se arrastando atrás de quem antes chutou e derradeiro na ordem de demanda, coube aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), e da Câmara, Arthur Lira (PP), apelarem à solidariedade internacional e alertarem a Bolsonaro para os limites da irracionalidade: a porta de saída.
Bolsonaro e o seu ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello – este sim, vassalo, também -, têm o que acertar com a nação. Pelo menos com os filhos, pais e irmãos dos mais de 312 mil mortos pela Covid-19. Toda morte é precoce. Sempre haveria mais a se viver, mas quantos não foram perdidos ainda com tanto futuro? É desolador o estado sanitário e emocional do país. A indiferença é uma arma genocida. Toda desculpa que vier, e virão muitas – em um desgoverno -, não isentará de culpa quem zombou, obstruiu e se omitiu. O mundo vai esperar respostas. Não responder a nada – Bolsonaro e cúmplices do genocídio nacional -, será a vitória da ideologia cega e uma desesperança na vida civilizada.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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