E se hoje eu voltasse?

Por

Jairo Lima*

Em 14.04.2021

Nunca antes na história desta minha existência pensei tanto quanto penso agora na finitude da vida. Como numa espécie de catástase, a pandemia me força a pensar nesta real possibilidade de maneira mais concreta, funciona como uma avant-première de um fato que, claro, um dia irá ocorrer, queiramos nós ou não. É preciso nascer de novo para entrar no Reino de Deus, disse Jesus.

Infelizmente, por medo, às vezes até por arrogância ou por meramente pensarmos, inclusive, ser um mal agouro, preferimos não refletir um milímetro sequer sobre esse assunto tão líquido e certo. Lidar com a possibilidade da morte de fato não é coisa simples. Mas, como algo factível dentro da nossa realidade existencial, não custa refletir e meditar. Afinal de contas, tudo tem um sentido, e o de viver, de estarmos por aqui, não seria diferente. Simplesmente temermos e/ou tremermos antes a morte, já nos faz menos vivos.

A pandemia está aí, não é uma novela mexicana, tampouco é um BBB (Big Brother Brasil) em que a tecla do telefone simplesmente pode definir destinos. Todos nós vamos, um dia, ao paredão.

Ela, a morte, nunca me causou receios. Cada aniversário meu, de maneira feliz, com direito a comemoração e tudo o mais que o momento especial exige, sempre vi, ainda assim, como um ano a menos desta existência, e não como 365 dias a mais. Compreendo que o que nos habituamos chamar de morte é, na verdade, uma volta para casa. Acho que esse sentimento inverso nos conecta melhor com a vida, dando assim mais sentido a própria existência, pois ter que partir sem que ao menos a mala esteja pronta, deve ser momento de aflição para qualquer viajor. É justamente aí que o bicho pega: e seu eu tiver que ir hoje?

É preciso primeiro que eu escolha e defina o que não devo levar, o que irei jogar fora, o que é digno de despojo e o que pode apenas me representar peso, inclusive podendo ser ainda o mesmo peso, o mesmo fardo ou a mesma farda com a qual cheguei aqui, ou seja, daquilo que porventura sequer dei-me o direito de não usar mais.

Claro que mal consegui a esta altura colocar mais que uma peça de roupa na bagagem; ainda preciso vasculhar muito o guarda-roupa da minha existência. É preciso primeiro que eu escolha e defina o que não devo levar, o que irei jogar fora, o que é digno de despojo e o que pode apenas me representar peso, inclusive podendo ser ainda o mesmo peso, o mesmo fardo ou a mesma farda com a qual cheguei aqui, ou seja, daquilo que porventura sequer dei-me o direito de não usar mais. De uma coisa tenho certeza: essa sensação de super-herói, de ser indestrutível, eu sempre procurei que não me subisse à cabeça. Ser surpreendido no outro lado da vida como um simples moribundo, deve nos causar solidão e indescritível angústia. Passarás!

Se eu penso em morrer agora? Oxe!, de jeito maneira! Só em saber que as malas ainda não estão prontas me dá uma grande aflição e tremedeira nas pernas. Aceitar a morte como algo natural dentro do processo da vida não é condição de apólogo da própria morte, mas sim de me imaginar com que cara iria voltar sabendo que há mais de meio século estou por aqui ainda com melindres infantis, desperdiçando tantos preciosos momentos e oportunidades de fazer o bem, de contribuir para extirpar a corrupção do mundo, de me desapegar das coisas materiais, das coisas que não irão dentro do meu ataúde, de ofertar o perdão e o autoperdão, de fazer por onde ser perdoado, de ter sido melhor filho, melhor pai, irmão, vizinho, amigo… Pois é, sou réu confesso, mas o meu medo não é da morte em si, mas sim de pensar e cristalizar na minha alma que sou um cara de sorte, um privilegiado, um imortal por aqui. Se ainda tenho algum alívio, é o de saber, mesmo perante as incertezas ainda maiores do momento, que enquanto estou por aqui, posso e devo agir diferente. Assim seja!

Meu medo hoje, na real, é o de partir sem legado, de virar um finado em dia de feriado atrapalhando o descanso dos outros. O vírus já me pegou, pegou fortemente na consciência, me tirando da demência e hoje só peço a Deus a clemencia para ter um pouco mais de tempo, pois de sentimentos eu preciso d’outros momentos para que chegado o meu dia, a minha mala não volte vazia, mas acaso isso ocorra, foi fruto da minha covardia, por admitir-me à masmorra ao invés da liberdade, da liberdade que dá movimentos às asas dos pássaros, às barbatanas dos peixes e às energias alegres dos símios. Dera-me aprender esse pulo do gato!

Espero ficar ainda um pouco mais, para que a misericórdia de Deus me torne capaz de enxergar a vida com os olhos de um espírito que continuará vivo, ativo, combativo…que nenhum minuto a mais de existência eu desperdice nas estradas das ilusões, das vis paixões. Meu medo hoje de é partir com arranhões, nas orelhas levar puxões por tantas coisas miúdas que pensei me fariam grande. Ah, quanto sou ainda pequeno para ir embora!

Oh!, Deus, ao menos me dá asas à imaginação!

Jairo Lima é poeta, escritor, artista plástico e membro da Academia Cabense de Letras.