Necessário é comprar feijão… e outros alimentos

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 30.08.2021

O Brasil continua sendo o nono país mais desigual do mundo, segundo o Banco Mundial.

O presidente defendeu a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, na sexta-feira 27, que todos tenham um fuzil. “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse…  e ainda ironizou quem se opõe à disseminação das armas. “Eu sei que custa caro. Daí tem um idiota que diz ‘ah, tem que comprar feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, declarou, antes de embarcar para Goiânia”. (Folha de São Paulo, 27-08-20210)

Simples assim, a forma debochada com que se expressa o dirigente maior da nação num momento de grande crise econômica e sanitária que assola o país, sobretudo quando a fome se posta à mesa de quase 100 milhões de brasileiros em condições de insegurança alimentar, sendo que, destes, mais de 13 milhões se encontram em pobreza extrema, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revela que entre a população pobre, 101.854 pessoas vivem em situação de rua, dos quais “40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Já nos municípios menores, com até 10 mil habitantes, a porcentagem era bem menor: apenas 6,63%”. Os dados da pesquisa foram estimados com base nas indicações coletadas em 2015.

São pobres as pessoas que não conseguem garantir ao seu organismo, diariamente, os suprimentos alimentares necessários às suas necessidades básicas para manutenção de suas energias vitais, bem como outras necessidades básicas como artigos para higiene, abrigo, vestuário, educação, cuidados de saúde, etc… “têm fome aqueles cuja alimentação diária não aporta a energia requerida para a manutenção do organismo e para o exercício das atividades ordinárias do ser humano. Sofrem de desnutrição os indivíduos cujos organismos manifestam sinais clínicos provenientes da inadequação quantitativa (energia) ou qualitativa (nutrientes) da dieta ou decorrentes de doenças que determinem o mau aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos”. (Carlos Monteiro in Segurança Alimentar)

O presidente finge que não sabe disso porque aconselha a população a comprar fuzil, no lugar de comprar alimentos. Procura assustar as pessoas e lança aos seus apoiadores avalanches de propostas desconectadas diante de uma situação de um governo que caminha para sua finitude sem cumprir as propostas de campanha.

Na verdade, deveríamos fazer um grande esforço para não tomar conhecimento das mediocridades faladas no cercadinho do palácio, mas a indignação bate forte.

Ontem fui à feira e  no mercado um quilo de feijão custava R$14; um quilo de pimentão verde, R$ 7; uma cesta básica com 36 itens ao preço de R$197 com (04 detergentes  –  feijão 2kg  – 01 arroz 5 Kg  – 02 pacotes de macarrão parafuso – 02 pacotes de macarrão espaguete – 02 molho de tomate – 02 óleo de soja – 01 farinha de trigo 1kg – 02 pacotes de papel toalha – 02 pacotes de papel higiênico com 4 rolos – 03 caixas de creme de leite – 02 caixas de leite condensado – 01 vidro de leite de coco – 10 pacotes de miojo sabores variados).

Não há carnes no rol de alimentos das cestas básicas. Algumas, as mais sofisticadas contam com latinhas com sardinha. A carne de charque, antigamente mais consumida com a macaxeira pelos pobres do nordeste, custa atualmente entre R$ 38 e R$ 52 o quilo.

As cestas básicas são vendidas no comércio, a crédito, com juros agora mais altos. Imagine um país em que seu povo tem que sobreviver comprando cesta básica em 10 vezes.

É uma vergonha absoluta!

É possível que toda essa situação seja desconhecida do presidente e seu ministro da Economia, que diante da falência de seus projetos e suas reformas, anda falando seus impropérios nas redes sociais como “se a energia fica cada vez mais cara não há problema”.

As famílias pobres, as que têm vários filhos, sobrevivem com os recursos do Bolsa Família e da solidariedade de Ongs, outros organismos e movimentos sociais que distribuem uma cesta básica por mês para cada família.

Pode ser que a economia tenha iniciado o seu processo de recuperação. No entanto, quase da metade da população brasileira vive atualmente em condições de desigualdade e pobreza aguçadas pela crise econômica e a pandemia em 24 dentre as 27 unidades da federação, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O Brasil continua sendo o nono país mais desigual do mundo, segundo o Banco Mundial.

O Movimento Brasil Sem Pobreza nos alerta através do seu manifesto: “É hora de deixar de lado o que nos separa e de valorizar o que nos une. Nenhum problema poderá ser bem resolvido enquanto a pobreza absoluta persistir. Com ela, não há desenvolvimento que se sustente. Acabar com a pobreza deve ser a prioridade dos orçamentos e das políticas de educação, saúde, assistência social, segurança alimentar, urbanização; das empresas; dos movimentos sociais; dos bancos; das universidades; das políticas tributárias; da política agrícola, da fundiária, da ambiental. Dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Da democracia como um todo”.

Rumo às eleições de 2022 a sociedade deve estar atenta a sua realidade e concentrar esforços na construção de uma unidade das forças progressistas para romper com o ciclo de pobreza, desemprego, violência e negacionismo.

Não precisamos comprar fuzis.

O Brasil tem uma grande agenda que reflete as necessidades do nosso povo: revitalização da economia com garantia do poder de compra sem inflação; recuperação do emprego em todas as regiões do país; apoio à agricultura familiar com distribuição de terra; cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação; fortalecimento do SUS com garantia ampla de atendimento às famílias nas unidades municipais de saúde; o ponto de partida e garantia de saneamento básico; políticas básicas de proteção aos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, sobretudo com preservação de seus territórios.

No momento, precisamos fortalecer a Democracia, sendo solidários com os que precisam comprar feijão, abominando a ideia de que é preciso comprar armas e acreditando na força do diálogo.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.