MEMÓRIA – Crônica do amor eterno

Por

Douglas Menezes

Em 12.09.2021

Pois não canso de cantar essa aldeia. A minha província vida afora. Um nunca querer sair de lugar tão confuso na sua contradição, onde o belo vive a se confundir com a dor da violência, do medo e da juventude de olhar distante e incerto. A cidade que traz o medo da noite. Noite que um dia foi poesia pura no gemer do violão e da voz rouca do cantor sem voz; na lua cheia a encontrar o mar acordado, embalando os sonhos de redes tranquilas a ninar a cidade adormecida.

Penso, assim mesmo, que o amor existe como luz a iluminar os jardins fictícios de uma praça de fantasia. Apesar de tudo, olho à frente na esperança de rever, um dia, a minha cidade respirando um ar de humanidade, no sentido de pureza, de verdade e respeito à vida. Mesmo na noite difícil, a cidade carrega a claridade do amanhecer, pois você não é da morte, como as estatísticas teimam em vivificar e escurecer o horizonte do seu futuro de nevoeiro denso. A cidade mostra-se esperançosa de que um dia tudo mude e que se veja o filho jovem produzir o presente com a alegria dos que acreditam num cotidiano melhor.

É dele o que virá. Para a gente que envelhece resta a memória e os conselhos do bem para que vivamos valores que se não passadistas, pelo menos marcados por ética diferente da vivência mais justa e solidária. A minha cidade, minha aldeia, minha casa, o meu mundo. A minha gente misturada, junta e só, querendo encontrar o rumo. A multidão de sonâmbulos a se desconhecer nas ruas e nos becos, numa guerra onde todos perdem.

A minha terra barulhenta, a produzir gritos e sussurros raivosos e angustiados, muitas vezes, mas também a expressar poesia na sua música, nos seus artistas da palavra ou dos metais. No ver e no ouvir. No seu jeito velho e moderno. A minha cidade de gente trabalhadora, amanhecendo na luta a dizer que é possível o conviver do bem. A minha terra do anoitecer, calma e buliçosa, sempre esperando, otimista, a luz da manhã de sol.

NOTA DO EDITOR:

MEMÓRIA – No mês de aniversário (23 de setembro) de Douglas Menezes, considerado por muitos o maior cronista do Cabo de Santo Agostinho (PE) nas últimas quatro décadas, o blog Falou e Disse o homenageia publicando, aos domingos, crônicas suas. Douglas Menezes se despediu da terra e da gente que tanto amou no dia 26 de fevereiro de 2020. Em breve, o lançamento do livro Douglas Menezes, um operário das letras, de autoria do editor deste blog, jornalista José Ambrósio dos Santos.