E nesta cena prosaica resplandeceu a Páscoa…
Jénerson Alves*
Em 31.03.2023
Era uma aula comum, em uma sala comum. O professor discorria sobre aspectos gramaticais da Língua Portuguesa. Uma turma sonolenta escutava o assunto. Em dado momento, os olhos do professor repousam em uma garota, que estava com a cabeça baixa e um livro nas mãos. “Deve ser mais um daqueles romances juvenis”, pensou o professor, com certo preconceito.
Ele esforçou um pouco a vista e, ao ler o título da obra, percebeu o ledo engano que cometera. Tratava-se de ‘Imitação de Cristo’, texto de São Tomás de Kempis escrito no século XV e um dos frutos mais célebres da ‘Devotio moderna’ – centrada na vida interior e em uma espiritualidade afetiva e efetiva.
“E nesta cena prosaica resplandeceu a Páscoa!”, foram as palavras que saltaram do coração do mestre naquele momento. Ora, já que Páscoa é ‘passagem’, ficou nítido que havia uma distinção entre o saber oferecido pelo professor – importante, mas terreno e cotidiano – e as aspirações da adolescente – essenciais, espirituais, eternas.
Acho que todos os dias têm um pouco de Páscoa. Afinal, todos estamos neste mundo de passagem (alguns vivem como se a passeio; outros, conscientes de uma missão). Sabedoria possui quem enxerga as coisas temporais pelo reflexo dos olhos dAquele que veio da Eternidade e abriu para nós a passagem ao Reino do Absoluto. É como já havia dito o poeta maior da língua portuguesa: “Olha, animal humano, quanto vales, / que por ti este grande Deus padece / novo modo de morte, novos males”.
Imagem:‘Ecce Homo’, de Caravaggio.