Colette Catta

Por

José Ambrósio dos Santos

Em 02.09.2023

Se ainda estivesse entre nós ela estaria completando hoje 102 anos de idade. Mas ela completou a sua jornada terrena há sete anos, no dia 04 de novembro de 2016, aos 95 anos. Naquela sexta-feira chegava ao final uma das mais belas histórias de amor e dedicação aos mais pobres vividas nos últimos anos no Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Seu nome, Colette Marie Josephe Catta, uma missionária francesa que salvou muitas crianças da morte iminente por desnutrição, e mudou o destino de centenas de jovens de um do povoado extremamente pobre, Juçaral, a partir de 1974, quando ela lá chegou.

O Brasil vivia os chamados anos de chumbo, sob a ditadura Civil/Militar instaurada dez anos antes, em abril de 1964. Foi nesse contexto da vida do País que Colette Catta chegou a Juçaral, um distrito localizado na paupérrima zona canavieira do município com a missão de se doar na ajuda aos mais pobres e a salvar vidas.

Rodeada por engenhos de cana de açúcar – principais empregadores – a comunidade era considerada um dos lugares mais pobres do emergente município. O destino de grande parte das crianças e jovens era a morte precoce, a dureza dos canaviais e os biscates, trabalhos que não exigem qualificação profissional.

A fome e a desnutrição consumiam a vitalidade de famílias inteiras e a morte, principalmente de crianças, por desnutrição, era uma ocorrência constante. Os pequenos caixões azuis conduzidos por pessoas esquálidas e aparência resignada com a morte dos seus filhos já faziam parte da paisagem bucólica, mas perversamente desigual.

“Assistia mães trancarem portas e janelas e sair na madrugada para os canaviais, deixando crianças de nove anos cuidando de outras mais novas. Também vi mulheres prepararem comida para seus maridos bêbados, enquanto seus filhos, com fome, desmaiavam. A cada 15 dias morria uma criança”.

Colette Catta em entrevista ao Jornal Tribuna Popular (agosto de 2007)

A entrega devotada de Colette Catta foi tão significativa que na missa de despedida, no Salão Paroquial da Igreja de São José, no dia 05 de novembro de 2016, o então Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, disse que a comunidade estava se despedindo da mãe de Juçaral.

Por sua doação aos mais humildes, Colette Catta foi agraciada com a insígnia de Cavaleira da Ordem do Mérito Nacional pelo presidente francês François Miterrand, em 1989.

Colette Catta também recebeu o Título de Cidadã do Cabo de Santo Agostinho, em abril de 2008, por iniciativa da vereadora Ana Selma dos Santos. “Colette é exemplo de amor e de desprendimento para todos os cabenses. Ela representa a força da mulher que faz renúncias em favor das causas dos mais excluídos e necessitados”, destacou a parlamentar ao entregar a honraria.

A sua contribuição intensa, extensa e marcante foi registrada no livro A mãe de Juçaral, assinado pelo jornalista José Ambrósio dos Santos. Lançado no dia 25 de fevereiro deste ano, a publicação tem prefácio de Dom Fernando Saburido, que é filho de Juçaral. Conhecedor da ação de Colette, o religioso a definiu como “uma mulher movida pelo amor”.

No último capítulo, que tem o título Au revoir, Colette, sua conterrânea Béatrice Bussac sintetiza o sentimento da legião de amigas e amigos pelo Brasil e pelo mundo. Diz ela na crônica escrita em 22 de dezembro de 2016, pouco mais de um mês após o falecimento da amiga: “Para nós, sua mensagem nos convida a contagiar tudo o que ela nos deu; sua grande fé, esse gosto pela vida e sua generosidade incondicional. Ela nos convida a estar perto de todos, sem limites, sem barreiras, na alegria”.

Presente em bibliotecas e escolas públicas municipais e em estantes pelo Brasil e pela França, o livro contribui com a divulgação e a preservação do legado daquele ser de intensa luz que passou por Juçaral semeando fé, amor e esperança. Certamente, hoje, em muitos lares daqui, de acolá e de além-mar, muita gente estará celebrando a mãe de Juçaral. Au revoir, Colette.

José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras (ACL).