Até um dia, Conceição

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 22.12.2023

No último domingo (17.12), de forma súbita, Maria da Conceição Nascimento disse adeus a este plano. Um choque para muitos pernambucanos que acompanham a política e a luta sindical principalmente do Cabo de Santo Agostinho e de Jaboatão dos Guararapes, além, claro, de Jequié, cidade localizada no limite entre a zona da mata e a caatinga da Bahia, onde nasceu em 1956.

Muitas foram as manifestações de pesar e incredulidade publicadas nas redes sociais nos últimos dias. Em todas – mesmo sob forte impacto, como registrou a cientista social Ana Selma -, se pode observar, além do lamento pela perda devastadora – registro de Karla Menezes -, reconhecimentos que traçam com fidelidade o seu perfil; o de uma mulher forte, destemida, determinada, guerreira, leal, líder combativa, mas também sensível, terna e conciliadora.

“Gente como a gente não encontra mais”, destacou o engenheiro Adelmo Aragão.

Conheci Conceição em 1983, na primeira gestão do prefeito Elias Gomes (1983/1988) no Cabo de Santo Agostinho. Ela chegou a Pernambuco (Recife) em 1979 e logo passou a atuar nos movimentos políticos, sociais e sindicais agregando o tempero baiano às lutas que ganhavam maior dimensão no tradicionalmente libertário Estado de Pernambuco.

Segura e muitas vezes dura na defesa dos seus pontos de vista nos debates e embates, sabia ouvir e aceitar, caso fosse convencida pelos argumentos do(a) interlocutor(a). Seu amadurecimento político a fazia entender quando a luta estava perdida e aceitar, recuando mesmo que apenas taticamente.

Companheira durante muito tempo de Elias Gomes, exerceu forte influência nas suas gestões à frente da Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho (1983/1988, 1997/2000 e 2001/2004), e de Jaboatão dos Guararapes (2009/2012 e 2013/2016). Nos dois municípios desempenhou importantes funções, mas respeitando a autonomia das outras pastas. Nem sempre de bom grado, é certo, mas costumeiramente com respeito.

Tinha muitos adversários dentro do próprio grupo político – como ocorre em todos os agrupamentos humanos com as pessoas de maior destaque -, mas era adorada por outros tantos.

Apesar de jovem, foi uma grande conselheira e atuou como autêntica mãezona para muitos que viam nela uma protetora.

Advogada, era carinhosamente chamada de doutora por muitos seguidores de Elias Gomes.

Por sua simplicidade, humildade, capacidade de diálogo e de articulação, e também pelo trabalho dedicado alicerçado no compromisso com as lutas populares e com os mais carentes, lhe foi confiada a missão de coordenar as ações voltadas a assegurar o bem-estar das famílias jaboatanenses. Sob a sua supervisão atenta e diária estavam as secretarias de Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Esportes, Mulher e Direitos Humanos, entre outras.

Também a Conceição foi confiada a responsabilidade de promover o permanente diálogo com as comunidades e o desafio de transformar realidades insalubres em locais saudáveis, agradáveis e dignos para se viver com as famílias.

Missão que Conceição desempenhou com muita dedicação e muito carinho através do programa Comunidade Que faz. A Prefeitura fornecia material, equipamentos e orientação técnica e os moradores, em mutirão, realizavam as obras.

Como Chefe do Gabinete do Prefeito entre 2014 e 2016 testemunhei muitas vezes Conceição nas ruas de comunidades carentes de mãos dadas com o povo, juntando tijolo com tijolo e transformando ruas lamacentas e esburacadas em vias pavimentadas com blocos de intertravado.

Era grande o contentamento das famílias beneficiadas. O programa Comunidade Que Faz pavimentou mais de 600 ruas de comunidades periféricas. Era grande a alegria de Conceição em meio ao povo simples, como ela.

“[Conceição] tinha uma vida quase franciscana, não se preocupava com luxo e coisas assim”, ressaltou o advogado Henrique Leite ao comentar a partida da amiga.

Realmente, Conceição sempre foi uma pessoa simples. Vestia calça jeans, camiseta básica e calçava sapatilhas. Sua simplicidade era tamanha que foi muito difícil convencê-la a mudar o visual – digamos assim – ao ser convidada pelo prefeito Elias Gomes a disputar o cargo de vice-prefeita nas eleições de 2016, compondo a chapa com o então vice-prefeito Heraldo Selva.

Era engraçado às vezes vê-la chegar vestida como candidata.

Nos últimos anos Conceição voltou a radicar-se na Bahia. Mesmo distante, conversava com frequência com amigos e amigas do Cabo e Jaboatão. “Conversava diariamente com Conceição. Ela me informara que passaria o Natal com Danilo [Nascimento] em São Paulo”,  contou o advogado Jaime Correia. Danilo Nascimento é o filho de Conceição e Elias Gomes. Médico, faz especialização em São Paulo.

A última vez que falei com Conceição foi há pouco mais de um mês, no dia 23 de novembro, através do WhatsApp. Havia lhe enviado uma crônica que escrevi em 19 de novembro do ano passado que reflete sobre a ausência do nosso amigo comum Elmo de Freitas, companheiro de muitas lutas e que era um dos seus fiéis aliados.

Disse ela, em resposta:

“Tenho a lembrança, também, de quando fizestes essa crônica! Muito bela! Fizestes uma bela e merecida homenagem ao nosso querido amigo Elmo! Ele merece cada palavra, cada homenagem!  As palavras e frases correram soltas e merecidas! Elmo! Amigo muito querido que vai morar para sempre em nossos corações!!!”

Me despedi com um abraço.

Agora, um mês depois, escrevo essa crônica para dizer adeus à minha amiga Conceição. E encerro como finalizei a Carta a Elmo de Freitas:

Até um dia.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras.

Candeias, 22 de dezembro de 2023.

Foto destaque – Valter Andrade