Crônica da quarentena

Por

Valeria Saraiva*

Em 13.07.2020

Hoje li um texto falando sobre uma epidemia de despertar da consciência. Seria acordar para as coisas que realmente importam: a saúde, a amizade, o meio ambiente, o amor, a solidariedade. Essa pandemia afastou as pessoas fisicamente, mas criou uma rede de amizades virtuais enorme. E essa amizade tem sido importante nesses tempos difíceis. Os artistas estão fazendo ‘lives’ solidárias pra ajudar hospitais e instituições que apoiam os menos favorecidos. Muita gente está passando por dificuldades nessa quarentena. Alguns setores da economia ainda não voltaram a funcionar: bares, restaurantes, cinemas, casas de espetáculos. As lojas reabriram, mas seguindo critérios de segurança.

Recentemente vi uma reportagem sobre um motorista de ônibus que foi agredido por passageiros por ter exigido o uso da máscara no ônibus. Ele acabou morrendo depois de 5 dias em consequência da agressão. Isso aconteceu na França. Do que a ignorância é capaz. As pessoas estão agindo como bárbaros. O motorista só estava fazendo o trabalho dele, tentando proteger a saúde de todos os passageiros e a dele. Será que é tão difícil usar uma máscara?

Pela manhã logo cedo levei minha cachorrinha numa clínica veterinária. O médico trocou a ração dela e pra não dar outra viagem só pra isso, resolvi levar um saco de ração de 7,5Kg. Só que não estava de carro. A funcionária do ‘petshop’ chamou um Uber pra mim. Mas eu estava com a minha cachorrinha e sem a cadeirinha de transportar ela no carro. Finalmente, quando o Uber chegou, o motorista se recusou a me levar com a cachorrinha sem a cadeirinha dela. Eu entendi o lado dele. O motorista podia ser multado por transportar um animal solto dentro do carro. Tive que voltar pra casa a pé, com o pesado saco de ração de 7,5Kg. Mas entendi.

As pessoas precisam aprender a lidar com a frustração. O mundo não é cor de rosa. Você vai ouvir muitos nãos na vida. E o mundo não vai acabar por causa disso. Estamos passando por uma pandemia. Só aqui no Brasil já morreram mais de 70 mil pessoas. Todos os dias pessoas morrem. Alguns já tinham problemas de saúde que contribuíram pra isso, outros pela idade avançada. Mas também estão morrendo pessoas jovens sem histórico de doenças pré-existentes. Ou seja, temos que nos cuidar. E como a vacina ainda não existe, o jeito é isolamento social. Cada um na sua casa e devemos evitar sair desnecessariamente.

Até agora não consegui produzir nenhum poema nessa quarentena sobre tudo o que estamos vivenciando. Fico me lembrando de uma música de Cazuza:

“Hoje eu tive um pesadelo e levantei atento, a tempo. Eu acordei com medo e procurei no escuro alguém com seu carinho e lembrei de um tempo.”

Parece que tudo que estamos vivendo nesse momento é um pesadelo sonhado por um roteirista de filmes de suspense.

Espero acordar desse pesadelo o mais breve possível. Logo tudo isso vai passar. É uma esperança que carrego.

*Valeria Saraiva é poetisa, enfermeira e membro da Academia Cabense de Letras.