Um Brasil novo e difícil de engolir

Por

Otávio Toscano*

Em 13.07.2020

Mesmo que fosse pra fazer um texto de ficção, tudo hoje está mais difícil. Pensar em um tema para comentar tem se tornado um sacrifício. O Brasil que conheci não é isso que se apresenta nesse momento tão estranho. Não mesmo. Me pego, muitas vezes, no meio desse confinamento, achando que vim parar em outro país, outro mundo talvez. Tá tudo muito estranho. Valores foram completamente invertidos. Pessoas que arrotam ser cristãs defendendo em nome de Cristo absurdos que nem mesmo nos momentos mais cruéis da humanidade eram levados em conta. Já outros, também em nome de Deus, defendendo a crueldade e a violência como caminho para “sarar” a humanidade.

Sarar de quê, pergunto eu. Venho dos anos 1960, então fui conhecer o mundo apenas nos anos 1970. Descobri aos poucos como era cruel viver uma sociedade dominada pelo governo que não foi escolhido para estar ali. Era como uma empregada doméstica que definia as horas das refeições, mandava não colocar o sapato no sofá, dizia a hora de tomar banho, escolhia as músicas que podiam tocar na radiola. Isso, sendo uma funcionária da casa. Que também se deu o direito de mandar sair de casa quem questionava as determinações dela. Era assim o governo que conheci. Porque, “queiram ou não queiram os juízes”, quem paga o salário dos governantes, ditadores ou não, são os impostos. E eles são pagos por nós.

Vieram os anos 1980 e foi hora de gritar por isso mesmo. A casa é minha, quem manda sou eu. O Brasil é dos brasileiros e quem gera as riquezas dessa terra são os trabalhadores. Não foi fácil gritar isso na rua. Teve umas carreiras de polícia, uns amigos presos, mas fomos guerreando até conseguir o direito de dizer que o Brasil não precisava de armas e sim de oportunidades. Tropeços eleitorais e barganhas políticas levaram o país para os anos 1990, entre um novo rock nacional e um embalo dançante, fomos construindo uma sólida capacidade de reagir. Uma nova energia para existir.

Entramos no novo milênio cheios de novidades e pouco depois elegíamos o primeiro presidente da República que não vinha de castas, vinha dos sindicatos, vinha das lutas por um mundo mais justo. Feito isso, uma revolução tomou conta do Brasil. O Fome Zero, por muitos chamados de programa populista caçador de votos, colocou um dinheirinho do bolso de seu Zé, lá das brenhas de Solidão. Seu Zé comprou comida na venda, o dono da venda comprou na cidade mais comida pra vender, o homem da cidade vendo o movimento crescer contratou João para ajudar ele. E as coisas começaram a funcionar.

Oportunidade foi a palavra mágica. Barracos foram destruídos para dar lugar a lares, as universidades se encheram de gente que no máximo chegaria lá pra trabalhar na faxina. E isso incomoda demais. Vou nem detalhar como a coisa se deu depois que descobriram que ser classe média ou alta não era assim, uma Brastemp, que todo mundo tinha direito de ser feliz. Isso incomodou demais. Daí, tome fake News, manobras no Judiciário, campanhas absurdas.

Daí, estamos nós aqui. O ministro do Meio Ambiente fala em aproveitar a pandemia, que tá consumindo o noticiário, pra passar a boiada do desmatamento; o da Educação já chega falando em dor como método de ensino da criançada; o da Economia comemora, feliz da vida, porque está vendendo tudo que o Brasil construiu ao longo de tantos anos e o da Saúde,  ah, esse não tem. Já faz um tempo. Tem problema não. Afinal, a gripe ainda não matou 100 mil brasileiros. Passa pouco dos 70 mil. Dá pra ir levando.

Asco.

*Otávio Toscano é jornalista. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.