Artigo

Combater a censura sionista e abolir a Nakba na Palestina

Moara Crivelente*/Especial para Opera Mundi-Lisboa

Em 17.05.2025

Neste Dia da Nakba, é preciso lembrar que a responsabilidade por impedir tanto o genocídio corrente quanto a colonização da Palestina é universal

Neste 15 de maio, Dia da Nakba, temos o dever de colocar o genocídio palestino em perspectiva histórica, desvelando a sua função na colonização da Palestina. Para os palestinos no território, em campos de refugiados ou na diáspora desde a fundação do Estado de Israel, em 1948, a “catástrofe”, a Nakba, durante as últimas décadas tem sido inescapável, estruturada pela colonização, ocupação militar, apartheid e exílio. Estes termos têm mais do que uma importância conceitual ou simbólica, e por isso são rejeitados por Israel e seus aliados. Portanto, é preciso empregá-los consequentemente.

Em 20 de junho de 2024, o Departamento Central de Estatísticas Palestino (PCBS) marcava o Dia Mundial dos Refugiados com um dado assombroso, estimando que, desde 1948, mais de 136 mil palestinos tinham sido mortos por Israel. Mas há contrastes ainda mais alarmantes que ilustram a intensificação do massacre. Por exemplo, se as forças israelenses mataram cerca de 46.500 pessoas em duas décadas – entre 2000, quando eclodiu a Segunda Intifada, e abril de 2024, segundo o PCBS –, apenas entre 7 de outubro de 2023 e 14 de maio de 2025 há confirmação de cerca de 53 mil palestinos mortos, inclusive mais de 15.600 crianças, e quase 120 mil feridos, além de milhares de desaparecidos sob os escombros, possivelmente mortos.

Mais do que falar de dados brutos, que são em si chocantes, é importante compreender a tensão entre pelo menos duas visões da violência na Palestina e em Israel, que opõem uma narrativa historicizada a uma narrativa enviesada e francamente criminosa ou cúmplice, por ação ou omissão. Essa oposição perpassa todo o chamado “Conflito Árabe-Israelense”, convenientemente narrado por fases, ou episódios, em que Israel se vê confrontado, segundo a perspectiva enviesada, pela agressividade dos Estados árabes em geral e a resistência palestina, em particular, datadas pelas diferentes guerras e intifadas. Portanto, a conclusão lógica desta forma de ver as coisas é a de que a agressividade de Israel, cujo resultado é o genocídio, nada mais é do que o exercício do seu direito de se defender e proteger os seus cidadãos.

Esta é a versão mais simplória, a que faz manchetes, da perspectiva enviesada a favor do sionismo. Na versão mais complexa, que subjaz os argumentos do aparato propagandístico israelense, o Estado de Israel foi fundado por um movimento de libertação nacional, o sionismo político, e é celebrado no 14 de maio como o dia da independência. Nesta perspectiva, esse movimento trouxe redenção e proteção ao povo judeu da efetiva perseguição antissemita através do seu assentamento na Palestina como “uma terra sem povo para um povo sem terra” – segundo o mítico refrão já amplamente desmontado por historiadores palestinos e israelenses do processo de colonização, expropriação e expulsão empreendido pelos sionistas. Opor-se a este movimento, portanto, equivaleria a antissemitismo, o que é uma tergiversação e uma acusação gravíssima que instrumentaliza e banaliza o antissemitismo para fins de censura política e assente em falácias, como a que identifica o sionismo e o judaísmo, já rejeitada por comunidades judaicas que se opõem a esse que é um projeto político cuja premissa, ainda, é a supremacia do povo judeu.

Muito sucintamente, essas premissas, amplamente desmistificadas por arquivos históricos e livros como os de Nur Masalha, Edward Said, Noura Erakat, Rashid Khalidi, Ilan Pappé, e tantos mais, também fundamentam ataques de diversas entidades sionistas mundo afora a toda e qualquer manifestação de solidariedade com os palestinos ou de mera constatação da ilegalidade da ação de Israel. Também já está amplamente estudada a estratégia sionista da hasbara, que significa “explicar” e é descrita por uns como “diplomacia pública” e, por outros, como “propaganda”. Uma estratégia nada exclusiva de Israel, diga-se, que tem como características a fabricação de mitos e a desinformação evento a evento, e em que mesmo o uso de regras do direito internacional tem um papel.

Já numa ação mais claramente ofensiva e menos “diplomática”, os sionistas também têm usado o direito para atacar e cercear a expressão de solidariedade aos palestinos mundo afora em diversos âmbitos. Defensores do movimento sionista criaram, por exemplo, a rede de juristas dedicados a processar pessoas e entidades, inclusive governos e universidades, em diversos países, chamada The Lawfare Project.

Da sua parte, o governo israelense tem um Ministério de Assuntos Estratégicos dedicado ativamente ao combate ao movimento global por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), lançado pelos palestinos há duas décadas, num ímpeto por ações concretas por parte da chamada comunidade internacional. O Ministério dispõe especificamente de fundos para uma rede legal internacional para organizações dedicadas a combater o BDS, criada em 2017. Além disso, o governo criou listas de pessoas solidárias ao povo palestino a serem impedidas de entrar nos territórios ou deportadas e proibidas de retornar por longos períodos de tempo. Algumas delas são impedidas até de embarcar nos aviões com destino a Israel.

Recentemente, vimos também o ataque desferido pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB) contra entidades e jornalistas brasileiros e até mesmo contra o Presidente Lula, acusando-os de antissemitismo por criticar o Estado de Israel e chamar pelo nome, genocídio, a ação israelense na Faixa de Gaza – conforme amplamente documentado e demonstrado pela Organização das Nações Unidas (ONU), pelo Tribunal Internacional de Justiça, e pelo Tribunal Penal Internacional.

Notadamente, em 2022, a relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, Francesca Albanese, demonstrou como o regime de ocupação militar prolongada israelense se caracteriza como uma colonização de assentamento (settler-colonialism), antes mesmo da última e corrente guerra. Também demonstrou, em 2024, como o genocídio funciona em prol do “apagamento colonial”. Os antecessores de Albanese no cargo também demonstraram como as políticas israelenses culminam em apartheid – um crime contra a humanidade, diga-se. Portanto, são também atacados pela liderança israelense e organizações sionistas mundo afora, porque as suas conclusões não convergem com aquela narrativa. Ora, até mesmo o promotor do Tribunal Penal Internacional, que pediu mandados de captura do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, tornou-se alvo de sanções pelo governo dos Estados Unidos da América, num claro ataque às próprias instituições liberais.

Portanto, neste Dia da Nakba e em todos os outros dias, a solidariedade ao povo palestinos faz-se também de demandas por ação concreta pelo fim daquilo que estrutura a catástrofe nos seus 77 anos: a colonização da Palestina pelo movimento sionista. Resistir à censura e à intimidação dos perpetradores e dos seus cúmplices é crucial, mas não podemos nos deixar encurralar na defensiva. O genocídio corrente é tanto um crime contra a humanidade pelo qual a liderança sionista precisa ser punida, como um mecanismo no processo de colonização da Palestina. A responsabilidade por detê-los é universal.

*Moara Crivelente é doutora em Política Internacional e Resolução de Conflitos e pesquisadora no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

Imagem destaque: Foto: Montecruz Foto / www.montecruzfoto.org / Wikimedia Commons

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