Crônicas

Caminhar é ver

Neilza Buarque*

Em 14.05.2025

Ouvi uma criança que gritou: “bença, mãe”, como quem lança uma prece ao dia. Um ato nobre diante de tanta pressa sem prece ao Sagrado.

Redescobri meu bairro com os pés no chão. Não com pressa, nem com destino urgente, mas com aquele passo manso de quem se permite olhar. Caminhar, assim, virou um jeito de escutar a cidade, e de escutar a mim.

Caminhar e respirar. Um passo à sua vez. Ali, na esquina, uma flor teima em brotar no meio da calçada rachada. Inspirando a resiliência. Uma senhora atravessou a rua com sua sacola de pão, o cheiro ainda morno escapando do plástico. Ouvi uma criança que gritou: “bença, mãe”, como quem lança uma prece ao dia. Um ato nobre diante de tanta pressa sem prece ao Sagrado.

E, de repente, uma vaca. Majestosa. Parada no seu tempo, indiferente aos nossos relógios. Ali, plena. Ordinariamente vivendo o seu momento. Sem urgências. Sem mugir. Em seu silêncio sacro. Em seu descanso matinal.

Foi olhando para ela que entendi: a vida se faz no aqui e no agora. A vida acontece no ordinário. A vida não é só feita dos grandes marcos, mas das curvas suaves do cotidiano. No simples, mora o sagrado. Caminhar é ver o ordinário, e descobrir que o ordinário é, na verdade, extraordinário.

*Neilza Buarque – Escritora e integrante da Academia Cabense de Letras.

Imagem destaque: Neilza Buarque

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