O pós-pandemia
Carlos Luiz Gomes*
Em 31.07.2020
Hoje, o mundo vive uma guerra, cujo inimigo é um vírus que ataca todos os países do planeta, matando pessoas sem distinção de raça, credo, cultura ou condições sociais. Os cientistas não sabem, ainda, quando teremos vacinas para enfrentá-lo. O estrago que o covid-19 já fez, e continuará fazendo, é devastador nas vidas das pessoas, envolvendo relações sociais, saúde mental, cultura, negócios, empregos, uso do espaço público, política, entre outros. A pergunta que todos fazem: como será a vida no pós-pandemia? Muitos pensadores e pessoas comuns acham que a humanidade será melhor. Será ótimo, se vier acontecer. Entretanto, devemos refletir que a humanidade é formada por pessoas complexas, dotadas de subjetividades próprias, são crias de culturas e sociedades díspares. Isto torna o sonho de um mundo melhor muito difícil, pois mudar sete bilhões de pessoas não é algo tão simplório.
Vimos na crise atual um despertar salutar na sociedade, impulsionando pessoas às práticas de ações de empatia e solidariedade em prol do próximo, numa demonstração de que somos, em essência, seres altruísticos e passíveis de sofrer com as dores do outrem. Isto é um indicativo que a humanidade será melhor no pós-pandemia? O ser humano que nos inebria com atos de benevolência também nos entristece com ações do mal. O poeta Augusto dos Anjos, no poema versos íntimos, verbalizou afiadamente: ¨A mão que afaga é a mesma que apedreja¨. Foi este Ser que soltou Barrabás e, em seu lugar, enviou Jesus à crucificação, e assassinou Sócrates, Gandhi e Martim Luther King.
A história está marcada por eventos nos quais o ser humano busca ações evolutivas. Destacamos três movimentos surgidos entre os séculos XIV e XVIII: O Renascimento, O Iluminismo e A Revolução Francesa. Daí surgiu uma nova visão de mundo, onde Deus deixou de ser o centro do universo, o ser humano assumiu esse posto. A prioridade passou a ser a tríade razão, ciência e humanismo. A igreja foi relegada a um plano inferior, a doutrina deísta passou a ser destaque. Na época, se acreditava que estes movimentos tornariam o mundo um lugar melhor para viver. Crescemos intelectual e cientificamente, mas, moral e espiritualmente ainda temos muito que avançar. As mazelas existentes antes do Renascimento ressurgiram impavidamente no século XX. O ser humano voltou apresentar seu lado sombra[1] nas carnificinas da primeira Guerra Mundial (1914-1918), com 17 milhões de mortos; no governo marxista de Stalin (União Soviética 1930-1940), com 20 a 25 milhões de mortos; e na 2ª Guerra Mundial (1939-1945), onde Hitler, com seu regime ultradireitista, matou seis milhões de judeus.
O mundo atual vive um processo de neurose grave, onde os seres humanos, na sua maioria, vivem sob a égide dos princípios do narcisismo, do prazer e do poder, usando indiscriminadamente o que existe de nefastos neles. O sujeito pós-moderno vive pensando ser o centro do universo (antropocentrismo), tudo o que existe foi concebido e desenvolvido para a sua satisfação, inclusive a mãe natureza. Neste mundo excessivamente opressor, a vida corre o risco de entrar num processo de coisificação, tendo como pano de fundo a banalização do mal nas relações humanas. O vazio existencial no ser humano nunca foi tão enorme e devastador. Segundo a OMS[2], em 2018, 300 milhões sofriam do transtorno de depressão no planeta. No Brasil, existiam naquele ano, 11,5 milhões de depressivos e 18,6 milhões de ansiosos. Infelizmente, estes números não param de crescer.
Um mundo melhor, sonhado para um pós-pandemia, exige mudanças de atitudes. O ser humano necessita voltar-se para o seu interior, num processo de individualização, autoconhecimento, de evolução espiritual, e de ressignificação do seu religare (isento de dogmas e verdades escravizantes). No livro Experimentar Deus (Boff, 2011, p.64), o teólogo Leonardo Boff fala deste religare: ¨Deus só possui sentido existencial se for polo da justiça, do amor, da fraternidade humana¨.
[1] https://super.abril.com.br/mundo-estranho/os-10-maiores-genocidios-da-historia/
[2]https://emais.estadao.com.br/noticias/bem-estar,depressao-sera-a-doenca-mental-mais
*Carlos Luiz Gomes é engenheiro, psicólogo e membro da Academia Cabense de Letras.
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Excelente! É mesmo assim 👏