No vazio do desconhecimento

Por

Jaques Cerqueira*

Em 02.08.2020

Treze apóstolos da cultura pernambucana estão representados em estátuas de concreto erigidas em diferentes pontos do Recife. Muitos deles desconhecidos pela maioria dos recifenses. Muitos deles agredidos por vândalos impunes. As placas de identificação, que poderiam ao menos nortear os mais curiosos, sumiram condenando esses ilustres personagens ao mais absoluto anonimato. Todos se tornaram tristes figuras perdidas no tempo. Agora com as máscaras desses dias sombrios de pandemia.

Dessa forma, a bem intencionada criação do Circuito da Poesia pela Prefeitura do Recife acaba se perdendo no vazio do desconhecimento sobre a grande importância desses personagens para nossa cultura. Com certeza, muitos se lembrarão de Luiz Gonzaga (na praça da Estação Central do Metrô), Chico Science (Rua da Moeda) e Capiba (Rua do Sol), por conta de sua produção musical. Mas, como se sentirão Joaquim Cardozo, plantado bem ali na ponte Maurício de Nassau, e Mauro Mota, lendo jornal na Praça do Sebo, em meio à indiferença dos boêmios com seus copos de cerveja nas mesas dos bares?

E quando alguém olhar para Antonio Maria, na Rua do Bom Jesus, e Carlos Pena Filho, na Pracinha do Diário, sem saber quem são, o que esses dois magníficos poetas vão pensar? “Estamos aqui em vão”, certamente dirá o Poeta do Azul, que continua tentando “aprisionar no azul as coisas gratas”. Com ele concordarão Manuel Bandeira à espera da Estrela da Manhã, na Rua da Aurora, onde também se encontra João Cabral de Melo Neto, contemplando seu Cão sem Plumas passar quieto sob as pontes da “veneza brasileira”.

Em pé na Rua da Aurora, de costas para o Capibaribe, Ariano Suassuna contempla com suas retinas de concreto o Teatro que leva seu nome. E parece rir o tempo todo de suas histórias criativas e bem humoradas, como aquela vivida por Chicó e João Grilo. Mas, certamente se incomoda com a pouca cultura de quem passa por ele, sem saber de quem se trata.

Ah! E Clarice Lispector, sentada na decadente Praça Maciel Pinheiro? Coitada, por certo se sente muito mal cercada por moradores de rua, mesmo dizendo sempre que “sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite”. Já o poeta e ativista negro Solano de Andrade, o mais desconhecido entre todos, vive tocando uma sineta no Pátio de São Pedro, enquanto repete que “há sempre um poema me esperando nas amadas feitas de ternura”. Enquanto isso, a estátua de Ascenso Ferreira sussurrou outro dia ao meu ouvido, com seu vozeirão característico: “se eu pudesse sair daqui, iria embora de vez pra Catende, levando comigo os doze outros poetas no trem”.

Só assim todos ficariam bem longe da sanha dos vândalos e do pouco interesse da maioria da população em preservar a memória desses ícones da nossa cultura. Para reverter o quadro e aliviar o espírito dos poetas, os educadores bem que podiam explicar aos seus alunos quem são essas doze figuras. Aí, sim, a homenagem prestada pela cidade passaria a fazer sentido.

*Jaques Cerqueira é jornalista e escritor. Escreve aos domingos.

Foto destaque: uninassau.edu.br

Foto João Cabral de Melo Neto; www2.recife.pe.gov.br