O diálogo como condição existencial do ser humano

Por

Nelino Azevedo de Mendonça*

Em 02.09.2020

Este é um convite para o encontro. Para o diálogo. Um convite inspirado na amorosidade dialógica do professor Paulo Freire. Um convite para a conversa como se fazia nos tempos em que ainda era possível dispor cadeiras em círculos, em meio às calçadas das casas para as tertúlias em noites de estrelas e lua clara. Conversas, diálogos e encontros traçados nos passos da multiculturalidade que forja o caminho e nos endereça aos horizontes utópicos, onde habita a liberdade. É também um convite para ouvir um grande coro de vozes, cada qual com a sua história para contar, afinado numa harmonia dissonante que encanta em todos os tons, que vai num crescendo compondo a canção da unidade na diversidade.

É pela confirmação da presença que se faz o diálogo do eu com o tu e pela qual se configura o fundamento ontológico relacional inter-humano. É na reciprocidade que se consubstancia a existência dialógica que nos torna cada vez mais humanos, pois a vida em diálogo é a condição existencial que nos encaminha para a nossa vocação ontológica, para o ser mais, para a possibilidade de nosso encontro permanente com a nossa humanidade.

É através do diálogo que vamos superando os nossos estranhamentos, as nossas limitações, as nossas rupturas consigo mesmo e com os outros. É o diálogo que nos alimenta a alma e nos abre o coração e, por isso, nos faz mais humanos. Somente pelo diálogo nos encontramos com os nossos semelhantes e nos reconhecemos neles e essa é a maior libertação da humanidade, porque é capaz de suplantar qualquer força destruidora da harmonia, da justiça, da solidariedade, da paz.

É na dialogicidade que as diferenças se confirmam e se fortalecem. Daí toda dimensão relacional fundamentada no diálogo legitimar as tensões inerentes aos processos de convivência humana, sem que isso seja argumento para as intolerâncias e belicismos, e, dessa forma, aprofundar, num exercício constante de afirmação, as individualidades de cada pessoa. O diálogo é a construção do reconhecimento de si e dos outros em permanentes trocas. Desse modo, a nossa alteridade se afirma pelo encontro. Por essa razão, não há realização existencial sem diálogo.

Dizer a palavra que denuncia e  pronuncia o mundo, como uma forma de anunciar os caminhos que endereçam à concretização de nossas humanidades, é uma forma de dizer a palavra que transforma a realidade em favor dos excluídos e violentados pela tirania dos que oprimem e cerceiam a liberdade. Esse é o verdadeiro encontro, porque se materializa na união dos que querem proferir o diálogo verdadeiro em favor dos desvelamentos da realidade e das mudanças que tornam o mundo mais humanizado.

O diálogo nasce do pensar crítico que, superando uma ingenuidade que opaciza o mundo, faz brotar o encontro verdadeiro que é o próprio diálogo. É percebendo a realidade como um processo que seremos capazes de modificá-la e torná-la um ambiente viável para vivenciarmos com dignidade a nossa existência. A construção dessa realidade mais solidária e humana se erguerá sobre esse mundo precário de justiça e de amor quando formos capazes de estabelecermos convivências cada vez mais horizontalizadas, sem que alguém se imponha sobre outrem, sem que alguém tenha que usurpar a dignidade alheia, sem que alguém tenha que rejeitar, excluir ou aniquilar a vida de seu semelhante. A verticalização quando se institui na convivência humana é uma forma de instaurar hierarquias desumanizantes e todas elas se fundamentam na concepção não democrática da antidialogicidade.

O diálogo é indutor do amor e somente pelo amor é possível estabelecer existências dialógicas no mundo. Então, todo diálogo é um ato de amor e não há amor sem diálogo. Portanto, é pela comunicação que nos tornamos mais humano e, nos humanizando cada vez mais, podemos superar os limites que nos atam às nossas sub-humanas forma de agir.

O diálogo não pode ser tomado como um mecanismo ou ferramenta para a aproximação entre as pessoas, como se fosse um instrumento do qual se alça a mão para conectar objetos. Dessa maneira, não passaria de uma estratégia para instaurar alguma forma de benefício de uma pessoa sobre a outra. Assim, o diálogo seria apenas uma artimanha para o favorecimento unilateral de alguém e, por esse caminho, a relação estabelecida entre esses sujeitos ocorreria no contexto da concepção instrumental, o que implicaria a interdição da humanidade de cada pessoa, empurrando-os para uma espécie de existência coisificada. Consequentemente, a relação que se estabelece dessa forma institui um ato de imposição e desamor, sendo, portanto, uma ação desumanizante. A síntese desse processo é o antidiálogo.

O antidiálogo nega a humanidade dos seres humanos na medida em que representa a negação daquilo que é determinante para a confirmação do que é mais humano em cada um de nós: a possibilidade do encontro. É pelo encontro que afirmamos a presença do outro e confirmamos a nossa presença e, dessa forma, ratificamos a nossa realização existencial no mundo e com o mundo. O permanente exercício do encontro vai materializando e instaurando a nossa alteridade e é, exatamente, pela realização da nossa alteridade que o diálogo se corporifica.

A nossa existência ética no mundo só pode se realizar através do diálogo. Pois é o diálogo a condição fundamental para o estabelecimento de uma convivência saudável entre as pessoas e viabilizador de subjetividades potencializadoras das dimensões que vão forjando as nossas humanidades. Esse processo nunca é individual, por isso exige uma ética do cuidado capaz de fazer valer a nossa alteridade e estabelecer relações que tornem mais humana a nossa forma de estar no mundo consigo mesmo e com as outras pessoas.

*Nelino Azevedo de Mendonça é professor, mestre em Educação e membro da Academia Cabense de Letras. Escreve às quartas-feiras.

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