Nos rastros dos escritores
Eugenio Jerônimo*
Em 19.09.2020
Uma multidão dirigiu-se ao município de Buíque no último final de semana para visitar os ambientes nos quais Graciliano Ramos passou a infância. Por causa da procura, os dirigentes da Fundação Vidas Secas tiveram de instituir o terceiro turno de visitas, à noite. Ainda assim, quem desejar fazer o programa precisa entrar numa fila de espera de até três meses.
O passeio começa com a ida à Fazenda Pintadinha, que se chamava Maniçoba, onde a família de Graciliano viveu na década de 1890, quando ele era criança. Preservado, o prédio mantém a arquitetura e o mobiliário da época.
No terraço, em que há cadeiras espreguiçadeiras dispostas, atores interpretam os anos de infância do menino Graciliano. Um dos pontos altos é as narrações de Amaro, vaqueiro que povoou sua infância e por certo está na criação do imortal Fabiano, de Vidas Secas. Distribui-se no espaço uma desarrumação bem organizada. Selas, arreios, cabrestos, cordas de couro, ferrões, ferros de marcar, enxadas, foices, machados, enfim, uma coleção de objetos que evoca um modo de pecuária e agricultura. No pátio, sobre seu cavalo, cabeça cingida ao pescoço da montaria, surge em tamanho natural.
Em seguida, chega-se à sede do município de Buíque. Na cidade, encontra-se a casa para onde o menino se mudou da Fazenda Maniçoba, ainda na década de 1890. O imóvel foi transformado em biblioteca e museu. O acervo reúne todas as obras do escritor, trechos de originais, correspondências e fotos. Também se destacam grandes telas representando moradores com quem Graciliano conviveu. Das paredes, olham com grande vivacidade os visitantes Rosenda lavadeira, Cabo José da Luz, padre João Inácio, dona Maricas, professora de Graciliano. Pessoas que deram traços a personagens futuras.
A faixa etária e o perfil do público são bem diversificados. De estudantes dos primeiros anos a aposentados; de pesquisadores a metalúrgicos.
O êxito do programa animou iniciativas similares. Em breve poderão ser seguidos os passos de Gilvan Lemos, em São Bento do Una; Osman Lins, em Vitória de Santo Antão; Manuel Bandeira, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, no Recife.
Os circuitos, além de buscarem a preservação da memória dos escritores, procuram mostrar de que maneira as origens podem ajudar a explicar suas obras.
Merecia o Brasil que essa narração fosse verdade. Mas não é. Trata-se de ficção.
*Eugenio Jerônimo é escritor. Autor de Aluga-se janela para suicidas (2009, contos); Gramática do chover no Sertão (poesia, 2016); O que eu disse e o que me disseram – a improvável vida de Geraldo Freire (2017, biografia – em coautoria). Escreve aos sábados.