Vacina contra Covid para indígenas no Brasil: entre fake news e discriminação, a esperança
Andressa Collet/Vatican News
Em 03.02.2021
Muitos indígenas no país já comemoram a chegada do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 nas aldeias, apesar da desinformação que desestimula indígenas a se vacinarem, mas como “um sinal de esperança para ter o povo vivo por mais tempo”, declara uma indígena Guajajara do Maranhão. Isso nas aldeias, porque os indígenas que vivem em contexto urbano são excluídos do cronograma prioritário de imunização – cerca de 46% da população indígena no Brasil. Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi, pede “urgência” em “reconhecer o total desse grupo prioritário e alcançá-lo em sua totalidade”.
Os indígenas fazem parte dos grupos prioritários para receber a vacina contra a Covid-19 no Brasil, segundo o Plano Nacional de Vacinação apresentado pelo governo federal. Porém, dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à CNBB que atua em defesa dos direitos dos povos indígenas, recorda que o cronograma de imunização prioritária que contempla pouco mais de 410 mil indígenas “não inclui a totalidade da população indígena que vive no Brasil” porque exclui quem vive nas aldeias urbanas:
“O critério adotado demonstra racismo institucional, uma vez que define como indígenas apenas povos que vivem em aldeias de terras indígenas homologadas, ignorando os povos que vivem em contexto urbano que, segundo dados do Censo IBGE, de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil. O termo usado pelo ministro da Saúde, ‘indígenas aldeados’, nos remete ao período da ditadura militar que representa uma discriminação, onde o governo pretende definir de forma arbitrária quem é e quem não é índio, estabelecendo assim um conflito com a Constituição Brasileira, com os marcos legais nacionais e internacionais, e com o Movimento Indígena. O Censo populacional de 2010 indica a existência de quase 900 mil indígenas no Brasil. O Plano Nacional de Vacinação, portanto, precisa reconhecer o total desse grupo prioritário e alcançá-lo em sua totalidade.”
A declaração de dom Roque é um reforço à uma nota divulgada pelo Cimi em 18 de janeiro quando se posiciona sobre essa “exclusão de indígenas” do Plano de Vacinação do país e, assim, ao acesso à saúde pública. O texto ainda recorda que indígenas que vivem no contexto urbano, em grande parte, foram expulsos dos seus territórios por invasores, o que não justificaria a exclusão no cronograma de vacinação: “o fato do indígena estar fora da aldeia não faz com que ele deixe de ser indígena”, salienta a nota do Cimi.
O conselho também traz dados de um estudo da Universidade Federal de Pelotas em que aponta que a prevalência do coronavírus entre a população indígena urbana (5,4%) é cinco vezes maior do que a encontrada na população não indígena (1,1%). Por isso, o presidente do Cimi fala em nome do Movimento Indigenista e pede “urgência na vacinação de toda a população indígena do país”.
O lado mais vulnerável da pandemia
Em quase um ano de pandemia, de acordo com os dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, integrado por lideranças indígenas, 46.508 indígenas foram contaminados pela Covid-19 e 929 faleceram em decorrência da doença, afetando diretamente 161 povos em todo o Brasil. A vacina, portanto, através da imunização em massa, vai ajudar a combater a disseminação do coronavírus sobretudo nos grupos mais vulneráveis, como dos indígenas.
A vacina da sobrevivência
No interior do Maranhão, no Território Indígena do Rio Pindaré, que fica no município de Bom Jardim, a mais de 200 Km de São Luís, a vacina já é uma realidade para o povo Guajajara, apesar dos desafios enfrentados dentro das aldeias para combater um outro vírus, o da desinformação que desestimula indígenas a se vacinarem. Em depoimento a Genilson Guajajara, que participa do Coletivo de Comunicação Pinga-pinga das comunidades tradicionais do Maranhão, a Arlete Viana dos Santos Guajajara contou sobre o momento histórico e de esperança vivido na terra indígena. Ela é a atual presidente da Associação Indígena Comunitária Mainumy:
“Pra mim e acredito que para muitos parentes, a chegada dessa vacina dentro dos territórios indígenas é sinal de esperança de ter o nosso povo vivo por mais tempo. Porque, essa maldita doença, ela já matou muitos e muitos parentes. Então, para gente é uma esperança muito grande de ter o nosso povo vivo por mais tempo. É uma pena que existe muito fake News. Tem pessoas que acham que estão vivendo somente para espalhar essas fake News, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro. Então, isso acaba atrapalhando muita a questão da vacinação dentro dos territórios. Mas, assim, nós enquanto lideranças, temos esse papel de, na verdade, fazer articulação e desmentir essas fake news dentro dos territórios. Como podemos fazer isso? Chamando os parentes, conversando e explicando como é que funciona a vacina. Enfim, fazendo a nossa parte mesmo para o bem de toda a nossa população, porque essa vacina ela é a esperança de sobrevivência nossa.”
Foto destaque: Genilson Guajajara | Coletivo de Comunicação Pinga-pinga das comunidades tradicionais do Maranhão