Com Haroldo em Jundiaí
Luciano Siqueira*
Em 25.03.2021
O bom dirigente não impõe; esclarece, convence, motiva. E educa pela atitude, pelo gesto, pela palavra, pelo exemplo.
Haroldo Lima era um ótimo dirigente. Um grande líder.
Desde a Ação Popular, no final dos anos 60 e início dos 70, e a partir do ingresso de todos nós no Partido Comunista do Brasil em 1972, foram incontáveis encontros, diálogos e empreitadas comuns.
Ontem, sob o impacto da dor da perda, me vieram muitas recordações das oportunidades de convivência com Haroldo, o “Zé Antonio”.
Um líder convicto, aguerrido, sempre disposto a encarar todo e qualquer desafio.
E também um educador — como devem ser todos os bons dirigentes comunistas.
Entre 1973 e 1974, não me recordo exatamente a data, tivemos um encontro de um dia inteiro em São Paulo, sob os rigores da militância clandestina.
À época, ainda na transição da incorporação da AP ao PCdoB, constituíamos uma direção regional com jurisdição de Alagoas ao Ceará, Alanir Cardoso, Bosco Rollemberg, Oswald Barroso, Rui Frazão e eu (secretário político).
Em São Paulo, após estafante viagem de mais de 40 horas de ônibus, fui recebido por ele num ponto de rua, ao anoitecer. No lusco-fusco, como gostava de dizer.
Ele seria naquele instante meu contato com o Comitê Central.
Com o entusiasmo de sempre, antecipou:
— E aí “Miguel” (meu nome de guerra), tudo firme? Não temos um aparelho disponível para conversarmos, nossa reunião vai ser numa viagem de trem.
Eu me hospedara numa pensão no Brás e aproveitaria a viagem para comprar roupas para revender no interior do Nordeste.
Sobrevivíamos, Luci e eu, como vendedores ambulantes.
Dia seguinte tomamos um trem até Jundiaí, onde passamos o dia perambulando e dando conta da nossa pauta.
Nunca esqueci o seu empenho em me mostrar muitas coisas enquanto discutíamos, chamando a atenção para o padrão de vida de uma cidade de interior num estado rico.
Levou-me ao comércio de máquinas e implementos agrícolas, comentando as diferenças do nível de utilização da tecnologia entre a agricultura paulista e o que nós tínhamos então nas áreas mais atrasadas do Nordeste.
– É o desenvolvimento desigual do capitalismo, Baixinho!
E tome digressão teórica em linguagem simples, perfeitamente compreensível.
Na longa viagem de volta (residíamos em Santana do Ipanema, sertão alagoano) refleti sobre muitos detalhes do rico diálogo com ele, impressionado com a sua capacidade de cumprir as duas tarefas dirigentes ao mesmo tempo: a troca de informes e a discussão dos problemas em pauta; e o esforço em despertar minha atenção para uma realidade que eu não conhecia e me estimular a ler sobre o assunto.
Atribui-se a Gramsci a assertiva de que um dos critérios para avaliar o desempenho de um dirigente revolucionário é a sua capacidade de formar novos quadros.
Haroldo era um grande dirigente e tem lugar destacado na galeria dos líderes educadores do quase centenário Partido Comunista do Brasil.
Renato Rabelo, esse gigante que nos lidera e nos orienta, disse ontem em emocionado pronunciamento que “esta não era a hora de Haroldo partir”.
Realmente, no tempo difícil e arriscado que vivemos em nosso país, Haroldo faz uma falta enorme!
E estará presente na memória de todos nós, antigos e novos militantes, que tivemos a felicidade de conviver com ele.
— “Baixinho”, presente!
*Luciano Siqueira é médico e ex-vice-prefeito do Recife.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
NOTA DO EDITOR:
Dirigente histórico do PCdoB, o ex-deputado federal baiano Haroldo Lima morreu na madrugada desta quarta-feira (24), em Salvador, em decorrência da Covid-19.