Basta de crise. Na vida, somos eternos aprendizes

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 29.03.2021

Personagens maiores desta história são as mulheres, tragicamente responsáveis na sua maioria sozinhas pela criação de filhos e netos.

O que aprenderemos com esta pandemia e o que poderemos fazer para nos livrar do cansaço que nos apanhou neste momento da caminhada?

A minha geração foi pega na curva, no meio do caminho, expressão usada popularmente para definir uma situação que envolve surpresa.

O novo coronavírus foi uma grande surpresa, e ainda por cima nos atingiu num momento em que já estávamos envolvidos em várias crises que vêm fragilizando a vida dos brasileiros.

Com a chegada da pandemia vivemos o aprofundamento de uma situação que combina crise e instabilidade política com o país dividido, catástrofe sanitária e economia cambaleante. Convivemos diariamente com notícias de fechamento de negócios, desde grandes empresas às bodegas, e com isso os trabalhadores são os primeiros que vão para o “olho da rua” ou têm salários reduzidos. Navegamos irresponsavelmente na falsa dicotomia entre preservar a vida e manter a economia viva, sem que fizéssemos os deveres de casa exaustivamente orientados pelos especialistas.

Além do mais, uma inflação que nos espreita e manifesta sua fúria aumentando de imediato o preço dos alimentos. Quem ganha um salário mínimo ou só recebe a ajuda do programa Bolsa Família já não consegue alimentar a família com o que recebe ao final do mês.

O aumento da pobreza é uma constatação diária.

Personagens maiores desta história são as mulheres, tragicamente responsáveis na sua maioria sozinhas pela criação de filhos e netos.

A mídia se encarrega de apresentar em tempo real as mudanças como vão acontecendo, assim como os sentimentos das famílias sobre as suas dificuldades. Para mim, tragédia, viver sem poder sequer alimentar os filhos. Personagens maiores desta história são as mulheres, tragicamente responsáveis na sua maioria sozinhas pela criação de filhos e netos.

Segundo o IBGE, em 1950, cerca de 12% dos lares já eram chefiados por mulheres no Brasil. Em 2000, o número subiu para 26%. Depois para 35% em 2009 e, finalmente, chegamos à marca de 45% em 2018. Ou seja, só entre 2014 e 2019, quase 10 milhões de mulheres assumiram o posto de chefe de família. Porém, isso não significa que elas deixaram de acumular tarefas domésticas além de trabalhar fora! (Dorconsultoria)

Dizem os estudiosos que o mundo nunca viveu uma crise que evoluísse com tanta rapidez como essa. Acontece que no Brasil há o grande complicador que alimenta essa crise fomentando todo tipo de desavença, que é o governo Bolsonaro. “O Brasil está tão desastrosamente governado que já estava em crise, mas, com Bolsonaro, está se transformando numa crise ainda mais profunda, porque o governo federal é, como nos EUA, incoerente e dá pouca ajuda para deter a epidemia além do que fazem os governadores estaduais”. (Jeffrey Sachs, economista, publicou em 2005 seu livro O Fim da Pobreza)

O governo atrapalha o país desde que assumiu e prossegue no seu desespero, numa guerra insana com a maioria dos governadores e prefeitos, atacando as instituições, desprezando a ciência, desdenhando dos sentimentos das pessoas, mentindo descaradamente diante das lentes de comunicação para o país inteiro.

A internet nos apresenta uma infinidade de vídeos através dos quais podemos observar que quase diariamente o presidente se posta a maltratar a sociedade com ideias absolutamente decadentes, inumanas, quando diz coisas do tipo, que segue, com relação à mulher: “Deve ganhar menos do que o homem porque fica grávida”. E comentando sobre sua família: “Tenho cinco filhos. Quatro são do sexo masculino. Depois dei uma relaxada e veio uma mulher”. (El País/2017) Verbalizando absurdos como esse, lançando comentários desprezíveis e perigosos sobre o estupro, gays e lésbicas, mais do que conhecidos, recebe autorização para comandar o país.

Havemos de refletir sobre que país somos, como conseguimos nos construir enquanto nação com tal grau de periculosidade para continuar vivendo.

Ficamos insensíveis à educação de má qualidade, à falta de moradia, de assistência à saúde, de saneamento básico, à violência urbana e ao tráfico de drogas que destrói sobretudo a nossa juventude, ao avanço da violência, à fome que permite que 16 milhões de famílias vivam do Bolsa Família, ao desemprego, à situação de desigualdade que penaliza mulheres e crianças pobres e negras. Insensíveis aos mais de 312 mil mortos pelo vírus.

A minha geração lutou muito contra a ditadura – até doando suas vidas que se foram nos porões dos órgãos de repressão -, mas tenho a sensação de que agora nos encontramos cansados e parados no meio do caminho. Pessoas sofridas, alguns enterrando seus mortos, outros tomados por apatia, depressão, estresse, com medo do que poderá acontecer com os desmandos do país.

Acontece que a vida, cantada em verso e prosa, tem lá seus encantos, como diz Gonzaguinha em sua canção “O que É, O que É”, na sua indagação sobre a vida: “Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita…” E mais à frente da canção ele canta: ”Viver e não ter a vergonha de ser feliz… cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz…”

Não podemos nem devemos desperdiçar o pouco tempo que temos para viver a vida com questões que não contribuem para o bem estar individual e coletivo de todos os brasileiros. Para proteger nossa saúde mental e fortalecer a nossa capacidade de vida, é preciso redefinir o foco, construir estratégias e redefinir o caminho. O tempo passa muito rápido, e com o tempo, a vida.

É tempo de refletirmos o que poderemos aprender com a pandemia enroscada nesta crise política e econômica que atravessamos.

Alguns estudiosos apontam que houve aprendizagem com o sofrimento que a gripe espanhola trouxe ao mundo no início do século passado, também impactado pela primeira Guerra Mundial. Após a gripe espanhola estimulou-se o desenvolvimento de sistemas de saúde pública em todo o mundo, à medida que cientistas e governos perceberam que as pandemias se espalhariam mais rapidamente do que no passado. As medidas de saúde pública que vemos sendo empregadas hoje em todo o mundo para conter a disseminação do novo coronavírus foram aplicadas com rigor naquele momento.

Pandemias vão e voltam, têm alertado os cientistas. Compete a nós exigir dos dirigentes políticos o fortalecimento dos serviços e das políticas públicas para o enfrentamento no momento adequado. No nosso caso, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS); a qualidade dos programas educacionais, imprescindíveis para melhorar a qualidade de vida; a universalização do saneamento básico para a proteção da sociedade contra as doenças.

O que impressiona é a teimosia humana em não aprender com as experiências e não compreender que precisamos viver no planeta terra em condições de equidade, preservando o lugar onde também habitam outros seres vivos

A ciência também progrediu muito com a invenção do microscópio, em 1930, o que possibilitou o estudo sobre os vírus e a penicilina, em 1928, que salvou milhares de vida durante a segunda Guerra Mundial. O que impressiona é a teimosia humana em não aprender com as experiências e não compreender que precisamos viver no planeta terra em condições de equidade, preservando o lugar onde também habitam outros seres vivos

As crises trazem também no seu seio o novo, que se expressa agora em criatividade, solidariedade e no avanço da ciência a partir da segunda metade do século XX.

O novo nos chega através de vacinas que foram elaboradas em prazo mínimo, no espaço de um ano. Contribui para isso a tecnologia da informação e o trabalho coletivo e solidário de cientistas que se uniram pelo bem comum.

Tudo isso é aprendizado de uma vida onde somos eternos aprendizes, como canta Gonzaguinha em sua linda canção.

Vimos que “aumentou para 56% o número de brasileiros que consideram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) incapaz de liderar o país. Os dados da DataFolha foram divulgados no pior momento da pandemia de Covid-19 no país”.

Para mim, o maior aprendizado: não podemos esperar mais uma pandemia para escancarar a nossa situação de desigualdade social, que cresce aceleradamente. Nem esperar sempre que surja um salvador da pátria, do bem ou do mal, que nos salve.

Precisamos, então, aprender que podemos nos livrar do vírus com as vacinas. Tomamos conhecimento de que o Instituto Butantan e a USP de Ribeirão Preto estão produzindo vacinas com tecnologia própria, em parceria instituições dos Estados Unidos.

Podemos nos livrar da pobreza extrema na medida em que que tenhamos a capacidade de ter políticas públicas estruturadas com base na Constituição Brasileira e no que garante a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Podemos também nos livrar de Bolsonaro e sua trupe, com impeachment ou com as eleições de 2022.

Basta! Vacina para todos!

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

Foto destaque: d.w.com