O boné e o chapéu de palha

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 10.07.2021

Esta identidade, embora seja plural, é indivisível. Uma das principais formas de dominar um povo é fazê-lo negar sua identidade, sua cultura, sua ancestralidade. Daí que, reafirmar estas questões, é um ato revolucionário!

O chapéu de palha ou ainda o chapéu de vaqueiro são elementos constituintes da cultura nordestina, sertaneja. O chapéu de palha possui diversos modelos e também, por ser feito de materiais diversos, entre eles a palha, o vime, etc., ganha, em certas ocasiões, não apenas um ar de utilidade, mas também de charme. De pescadores aos malandros (personagem das noites boêmias cariocas), o chapéu de palha não passa despercebido. Já o boné, ao que tudo indica foi criado na Inglaterra, por volta do início do século XIX. Tanto o chapéu de palha quanto o boné parecem terem sido criados para proteção da cabeça contra o sol e também, por uma questão de higiene das pessoas que trabalham com alimentos.

Gosto de usar o chapéu de palha e atualmente prefiro os mais simples. É uma identificação cultural que tenho e, de certa forma, um protesto contra os modismos. Por diversas vezes já ouvi pessoas dizendo “porque aquele ali está usando um chapéu à noite”? Ou ainda, “tá parecendo um matuto”! Na verdade, entendo estas colocações como certo preconceito com aquilo que seja nossa cultura. Quantas pessoas têm verdadeiro desprezo pelo que é genuinamente brasileiro: a língua, os sotaques, os autores, a música, a história…? Há no cerne de nossa mente colonizada, aquilo que Nelson Rodrigues apontava nos idos dos anos de 1950: O Complexo de Vira Lata. Segundo o autor, tal complexo é verificado pela falta de autoestima nacional, e leva as pessoas a só enxergarem coisas ruins ou menos importantes que as oriundas de outras partes do mundo (especialmente da Europa e dos EUA).

No caso do chapéu de palha e do boné este sentimento me parece presente. Se ambos são úteis, porque um (o boné) pode ser utilizado a qualquer momento – faça chuva ou sol, noite ou dia -, enquanto o outro (o chapéu de palha) tem seu uso restrito por “desrespeitar” as regras de etiquetas, modas, enfim, por ser diferente? Temos uma dificuldade em aceitar o diferente e atualmente no Brasil esta dificuldade tem evoluído para a intolerância violenta. Há regiões no país que se consideram melhores que as outras e assim, menosprezam ou vêem as demais como exóticas. Tenta-se a todo custo enquadrar as pessoas num padrão (estético, moral, religioso, político e cultural) que julgam ser o padrão civilizatório. Acontece que tal comportamento viola gravemente algo inerente a nós, a identidade. Esta identidade, embora seja plural, é indivisível. Uma das principais formas de dominar um povo é fazê-lo negar sua identidade, sua cultura, sua ancestralidade. Daí que, reafirmar estas questões, é um ato revolucionário!

*Enildo Luiz Gouveia – Professor, teólogo, poeta, cantor, compositor e membro da Academia Cabense de Letras – ACL.