O machismo, o azul e o rosa
Izabel Santos*
Em 08.09.2021
Nossa luta é para que as mulheres, independentemente de cultura, tomem as rédeas de suas próprias vidas e participem da administração deste mundo em igualdade com os homens, e jamais se calem.
– Vovô, você não vai acreditar! Um colega da sala mandou minha coleguinha calar a boca!
– Isso está errado, ninguém pode mandar outra pessoa calar a boca – respondi prontamente.
O diálogo acima foi a mim relatado no começo da semana por um amigo, que ressaltou a indignação da sua netinha de apenas seis anos de idade ainda no portão da escola, localizada em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife.
A atitude da menina me instigou e me levou a algumas reflexões. A primeira é perceber que a menina, mesmo de pouca idade, começou a se indignar com atitudes que possam tolher sua liberdade. Como feminista, fico animada, afinal, nós mulheres desde cedo somos educadas a ficar caladas e, muitas vezes, a nem sequer opinar. A indignação da menina me deixa esperançosa e acreditando que as novas gerações de mulheres não vão aceitar caladas as imposições do machismo.
Por outro lado, a atitude do menino, me fez refletir sobre como a carga cultural do azul e do rosa ainda está tão arraigada nas famílias, nas escolas, nas religiões. É sabido que ainda há ainda muitas diferenças na maneira de educar os meninos e as meninas. Quando me refiro à cultura do azul e do rosa, é para dizer que, desde a barriga, os meninos e as meninas começam a ser tratadas/os de forma diferenciada. O rosa remete à pureza, à sensibilidade e à delicadeza que são exigidas das mulheres. Nada contra estes predicativos. Mas a exigência de tais padrões de comportamento cria ideias de que as mulheres são mais vulneráveis e dependentes. A docilidade exaltada como virtude feminina não nos serve, e só favorece aos homens. Tais padrões promovem as desigualdades, as violências e a diferença nas oportunidades. São as desigualdades de gênero propriamente ditas que atravessam nós mulheres em todos os âmbitos das nossas vidas. Já a simbologia do azul, que na natureza está no céu e no mar, remete à força e ao poder, ao comando, à decisão, comportamentos exigidos dos homens. Tais padrões, alimentados nos meninos, vão fortalecendo atitudes violentas, de superioridade e de mando, ao contrário das mulheres, de quem é cobrado o respeito, o temor e a submissão.
Quando meninas e meninos vão crescendo, estes comportamentos são repassados para os brinquedos. Para as meninas, as panelas e as bonecas. Para os meninos, as armas e os carros. As brincadeiras vão revelar os comportamentos esperados para eles e elas. À mulher, o espaço reprodutivo, o espaço privado, as tarefas do lar. Para o homem, a produção, a rua, o poder. Enfim, marcas do patriarcado, regime milenar que supervaloriza os valores masculinos e subjuga os femininos, questionando e desqualificando o poder das mulheres. É justamente por isso que para o menino, coleguinha que mandou a outra se calar, talvez essa postura seja algo natural.
No entanto, cabe a nós mulheres questionar e se rebelar contra essa “ordem”. Afinal, o patriarcado é imposto pela cultura, não é natural, inerente à condição humana, e, por isso, poderemos desconstruir. Sabemos que é difícil desmantelar um sistema que vem se enraizando há gerações. Isso leva tempo, mas avançamos muito. A menina, de seis anos, que se indignou com a atitude do colega na escola já é herdeira das nossas lutas, das lutas de nossas mães e de nossas avós. Juntas, vamos continuar forjando um mundo cada vez mais igual, com empatia, rebelando-se contra o machismo, o racismo e o patriarcado, questionando a educação sexista, as religiões e as leis. O feminismo está aí para nos mostrar que um mundo diferente é possível, para propor uma nova ordem, através do empoderamento das mulheres e da busca por igualdade de direitos. É fato que tivemos grandes conquistas, muitas vezes despercebidas a olhos desatentos, como também que os passos são lentos para cada conquista, mas não desistimos.
A nossa busca por direitos vem de longe, desde Olympe de Gouges (1748-1793). Ativista francesa, ela escreveu a “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã” em 1791 e dois anos depois foi condenada à morte. Sua luta foi exemplo para mulheres do mundo todo. Essa busca passa pela vida de tantas outras mulheres que quebraram paradigmas e contribuíram para as que vieram depois. Foram Bertas, Alziras, Beneditas, Cristinas, Adalgizas, Efigênias e Marias, até chegar a nós, que hoje temos mais oportunidades e liberdade do que nossas mães e avós. E o que nos fortalece é saber que estamos deixando legados para as próximas gerações, que não vão aceitar ser caladas, que terão consciência do seu poder, e porão fim ao machismo, e não terão tolerância com o racismo. Nossa luta é para que as mulheres, independentemente de cultura, tomem as rédeas de suas próprias vidas e participem da administração deste mundo em igualdade com os homens, e jamais se calem.
*Izabel Santos é filósofa e especialista em Direitos Humanos. Integra a coordenação do Centro das Mulheres do Cabo e coordena a Escola Feminista
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: institutoinfantojuvenil.com.br
Muito bom. É mudar a relação de dominação entre as pessoas.Sois sêres humanos. Todos. Sujeitos de direitos neste mundo dito moderno.Parabéns!
Obrigada, continue lendo o blog, ele trás bastante conteúdos relevantes.
Importantíssimo para nós e visibilidade para as meninas se posicionarem
Parabéns Isabel você me representa
Parabéns Izabel!!
Vamos em frente nessa luta.
Vamos juntas companheira.