MEMÓRIA – Um grito a cada dez minutos

Por

Douglas Menezes

Em 19.09.2021

Eu escuto as vozes do silêncio. A cada dez minutos, um grito de dor feminino no país, na violência mal divulgada, na cultura da dominação nunca ainda abolida. Sim, o estupro é cultural, como a justificar a superioridade de gênero, o machismo disseminado na concepção de um poder disfarçado na falsa liberdade, na hipócrita concepção religiosa e na visão de que “as vítimas são, na maioria das vezes, cúmplices” dos  algozes, como um aceitar do sofrimento.

A violação feminina é cultural sim, e histórica, desde o começo, desde a senzala, desde sempre. Porque a opressão traz o viés sexual, mas, além disso, o viés no salário menor, na discriminação política, onde se buscam percentuais de participação para justificar o domínio dos machos no poder, acentuado, também, na indiferença acadêmica, nas anedotas sem graça, grosseiras e extremamente deselegantes, na concepção de uma delicadeza farsante, cor de rosa de um romantismo mentiroso e ultrapassado e que muitas delas, ainda bem, reagem com a força e o valor que possuem.

Dez minutos apenas, e mais um grito feminino no Brasil. Aqui, ali, ouvi nos bares, nas ruas, nas praças, nos logradouros mais comuns, ou a censura às vítimas, que muitas vezes não engrossam as estatísticas pelo medo ou vergonha da exposição, ou a certeza de que isso seria um crime menor. Escuto o silêncio das mesas indiferentes. O silêncio dos púlpitos preocupados com outras verdades, que não as das meninas marcadas por essa chaga nunca curada vida afora. É preciso, então, o continuar da busca da igualdade verdadeira. Pois numa sociedade doentemente desigual, e com séculos de preconceito, difícil se torna o terminar da violência de gênero, insana injustiça, barbárie pura em que ainda estamos atolados nessa aparência de civilização.

No entanto, até lá, até o dia dessa mudança esperada, lembremos que aqui no Brasil, a cada dez minutos se ouve, sempre, numa regularidade monótona, um grito feminino de dor.

Crônica publicada em 30 de maio de 2016.

Foto destaque: luso-poemas.net

NOTA DO EDITOR:

MEMÓRIA – No mês de aniversário (23 de setembro) de Douglas Menezes, considerado por muitos o maior cronista do Cabo de Santo Agostinho (PE) nas últimas quatro décadas, o blog Falou e Disse o homenageia publicando, aos domingos, crônicas suas. Douglas Menezes se despediu da terra e da gente que tanto amou no dia 26 de fevereiro de 2020. Em breve, o lançamento do livro Douglas Menezes, um operário das letras, de autoria do editor deste blog, jornalista José Ambrósio dos Santos.