A mentira como arma política

Por

Ayrton Maciel*

Em 28.06.2020

Desde a campanha de 2018, o presidente eleito Jair Bolsonaro nomeou as redes sociais como seus únicos veículos de comunicação. A imprensa profissional – jornais, TVs, rádios, sites, portais de empresas de mídia – passou a ser um apêndice descartável na sua estratégia de informação e propaganda, que pode ser sufocada pela falta de recursos ou a negação da renovação de concessão, segundo frequentemente ameaça. Quando não, redes que servem para propagar fakenews.

Várias postagens foram desmentidas ou criticadas, neste um ano e meio, e o próprio presidente tratou de retirá-las das redes. Facebook, Twitter e Instagram já removeram posts e vídeos de Bolsonaro, mas as punições não causam – aparentemente – desconforto ao presidente. Em contatos diretos com seguidores à porta do Alvorada ou nas lives para informar decisões, o presidente não confirma fatos e dados antes de divulgá-los, deixando claro que não teme o constrangimento de desmentidos. Vira um robô ambulante.

O mais recente embaraço pode ser creditado ao impulso da decisão, tomada para impactar, sem a precaução do conhecimento prévio do que ia dizer. O anúncio do novo ministro da Educação – economista Carlos Alberto Decotelli, um negro e técnico com experiência na área pública – visava a impressionar positivamente o meio acadêmico e à sociedade pluralista-democrática, depois da hecatombe científica, do apagão pedagógico e do obscurantismo ideológico de Abraham Weintraub.

Decotelli não concluiu o doutorado na Universidade de Rosário (Argentina) e está sendo acusado de plágio na tese de conclusão do mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nada que o impeça de assumir e se transformar num bom ministro da Educação. Bolsonaro é que caiu em nova fakenews, pois publicou vídeo com Decotelli exaltando os títulos do economista. Proposital ou por desconhecimento, acabou vítima da própria armadilha da propaganda. Pela reincidência, fica mais para intencional.

Em verdade, Bolsonaro mente despudoradamente (como se existisse pudor na mentira e no mentiroso). Será uma característica de caráter? Fakenews para enganar, para confundir e deixar dúvida, para fraudar a verdade, para montar uma farsa. A dúvida de quem vê ou escuta se estabelece: mente consciente de que é uma mentira, e insiste na mentira por ser uma tática de confronto e defesa e formação de opinião, ou cria a mentira e sua consciência passa a metabolizá-la, ao ponto em que acredita no que criou e seu subconsciente faz a guarda (do que inventou) como uma verdade? Em ambos, é um perigo.

O risco aumenta na medida em que Bolsonaro tem muitos seguidores inconscientes ou desinformados ou negacionistas ou ideologizados a tal ponto que, mesmo sabendo que é fake, compartilham propositalmente como verdade. Mentir por interesse ideológico, pessoal ou a convicção de quem acredita nas próprias mentiras é uma ameça à história. A mentira ideológica tenta mudar a versão de fatos históricos comprovados, a mentira pessoal busca encobrir ou manter encobertas verdades que não se quer públicas e mentir com convicção é uma questão patológica.

Negar que 1964 foi uma ditadura e cometeu crimes graves; dizer que o nazismo é uma ideologia de esquerda; negar – sob a luz de provas – que tem relações com investigados por crimes; atribuir e propagar culpa a governadores e prefeitos por omissão no enfrentamento ao Covid-19; assumir obras de terceiros como se fossem exclusivamente suas ou conceder a si a primazia de “escolhido” por Deus para uma missão se encaixam em todas as formas de fakes e fakenews.Porém, Bolsonaro não tem constrangimentos.

*Ayrton Maciel é jornalista. Escreve aos domingos.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.