Religião e política, sim! Igreja e Estado, não!*

Por

Ricardo Jorge Silveira Gomes*

EM 28.06.2020

Nos primeiros dez anos do século XXI, o debate sobre a presença das religiões na esfera pública foi marcado pelas polêmicas em torno do Acordo Bilateral assinado em 2008 entre a Santa Sé e a República Federalista Brasileira, e pelas discussões sobre as consequências da participação dos evangélicos no Poder Legislativo para a política de ampliação dos direitos humanos. O desafio de interpretar as relações do religioso com a política e com ordem social mais ampla tem provocado um deslocamento teórico e conceitual na bibliografia nacional (ORO, 2011), com alguns analistas adotando o conceito de laicidade, de origem francesa (CASANOVA, 1999), ainda que reconheça a pertinência das críticas.

De acordo com Miranda (2009), profundas mudanças de cunho sociocultural sacudiram a sociedade, atingindo instituições como a família, a universidade, a organização política, a vida econômica e a religião. A velocidade de tais transformações não permitiu às instituições se adequarem aos novos desafios que passaram a surgir, gerando, assim, um mal-estar como manifestações de uma crise que não se pode definir com precisão.

Como em outras sociedades, a hierarquia da Igreja Católica no Brasil se reposicionou na esfera pública a partir de uma série de novas formas de atuação na sociedade civil e na política partidária. Na primeira metade do século passado, pode-se citar a criação da Liga Eleitoral Católica (1932), dos movimentos de Ação Católica (1935), do Partido Eleitoral Católica (1932), dos movimentos de Ação Católica (1935) e do Partido Democrático Cristão (1945). Posteriormente, segmentos dessa instituição se engajaram na organização dos setores populares em várias partes do país e foram atores políticos importantes não só no combate à ditadura militar, mas também na criação do Partido dos Trabalhadores (MACHADO, 2006).

Desta forma, as mudanças nos dispositivos de regulamentação do campo religioso, assim como da participação dos evangélicos na esfera política no século XX, demonstram que o princípio legal de separação entre Estado e Igreja não retirou a religião da arena pública brasileira. Contudo, a crescente participação dos evangélicos na política eleitoral, nas últimas duas décadas, representa uma ampliação da arena política e o surgimento dos novos atores nas sociedades civil e política. Dito de outra forma, esse fenômeno não deve ser interpretado como uma desprivatização ou mesmo uma emergência do aspecto religioso na esfera pública (CASANOVA, 2008), uma vez que os católicos já vinham atuando ativamente nesse espaço. Com o advento da forma de governo no qual um representante, normalmente chamado presidente, é escolhido pelo povo para ser o chefe. Novas roupagens do cenário religioso brasileiro vêm ocorrendo, especialmente depois do Decreto 119-A de 1890 e Constituição de 1891 que propiciaram a expansão de práticas religiosas no espaço público, conferindo condição de igualdade jurídica entre as diferentes vertentes.

Pleito pode ser considerado como alusão a luta ou a disputa que se fere nas eleições, para designar o desenrolar destas. Eleição é o ato pelo qual se escolhe ou se prefere alguma coisa ou pessoa. Logo, pode-se concluir que a eleição está compreendida dentro do pleito, pois este é todo o desenrolar do processo eleitoral democrático que se desemboca no dia da eleição propriamente dita. A democracia nos faculta o exercício de participarmos conscientemente do pleito das eleições.

Democraticamente, somos corresponsáveis na indicação de cidadãos para dirigir nossas organizações sociais. Faz-se necessário escolher pessoas idôneas e comprometidas com a lisura dos princípios e valores da sociedade, onde devem prevalecer a justiça, a honestidade e o respeito devido com a “COISA PÚBLICA”, excluindo interesses pessoais e corporativos, e cuja preocupação seja pautada pela regra de ouro: “O BEM COMUM”.

Num país como o Brasil, em que o governo é estabelecido pelo regime democrático, todo cidadão é agraciado pela Constituição Federal com o Direito Político, que concede a toda a igualdade para pleitear cargos eletivos, votar e ser votado. No regime democrático, todos os cidadãos maduros têm o direito e o dever de participar do processo político através do voto que define, de tempos em tempos, quem serão os seus governantes. “Democracia” é uma palavra originalmente grega, e significa, literalmente, Governo por meio da maioria do povo (“Demo: Povo” e “kracia: Governo”). A tradição democrática estabelece que todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma maneira. Estabelece também que todo cidadão tem o direito de expor em público seus interesses e suas opiniões, vê-los debatidos pelos demais e aprovados ou rejeitados pela maioria, devendo acatar a decisão tomada publicamente.

A omissão da Igreja quanto ao processo democrático implica na falta de responsabilidade cívica para com a nação. Por outro lado, sua participação não pode transformar-se em “barganha” baseada em acertos, acordos e composições de interesses que, geralmente, ocorrem nos bastidores em épocas de campanhas eleitorais. É lamentável, mas, em anos eletivos, muitas igrejas se corrompem, perdendo de vista o seu objetivo principal que é Servir a Deus. Ao contrário disso, deixam-se levar pela política, envolvendo-se e comprometendo-se vergonhosamente. São líderes eclesiais que literalmente “vendem” o direito do cidadão por migalhas e chegam ao cúmulo do absurdo de abrir espaço em seus púlpitos para os candidatos, para que exponham suas plataformas de governo mentirosas e enganadoras, com fins apenas eleitoreiros. Considerando o fato de que cada vez mais os evangélicos têm se tornado um dos mais expressivos segmentos da população brasileira – segundo o Censo de 2000, o número de eleitores já chegava naquele ano a 18,9 milhões de pessoas, ou seja, 15,4% dos 126 milhões de eleitores. Por isso, é imprescindível que a Igreja adote posturas éticas condizentes com os valores da Palavra de Deus.

*Título do livro publicado por Paul Freston em 2006.

*Ricardo Jorge Silveira Gomes é professor, historiador, mestre, doutorando em Ciências das Religiões e membro da Academia Cabense de Letras

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