Para meus filhos

Por

Fernando Silva*

Em 04.01.2022

As definições para felicidade são múltiplas, diferentes e até antagônicas. Artigos, livros, crônicas foram publicados para que se apresentassem as distintas compreensões. Não serei atrevido em polemizar com as elaborações produzidas. Mas, é bom pensar, falar e escrever sobre felicidades, no plural. O que apresento é do vivenciado. Do que sinto. Apreendido. A definição para felicidades que compartilho guarda relação com experiências de pai. Da minha paternidade. De pronto, asseguro que de cada filho foi e é possível aprendizados distintos, que alimentam as minhas felicidades, que são atreladas a momentos e fatos permanentes.

Ter filhos é uma felicidade contínua e tem mais de três décadas. Bruno Sabino, chegou em 12 de abril de 1990 e João Fernando no dia 02 de março de 2001. Para aumentar a felicidade, nossos aniversários, o meu e o de João, muitas vezes acontecem em pleno Carnaval. Logo nos que não brincamos no período. Levamos muito a sério. Vamos para as ladeiras de Olinda na quinta, abertura, com Alceu Valença, a atração principal e um punhado de gente boa no frevo, na ciranda e no maracatu. E prosseguimos na sexta, sábado, domingo, segunda e terça. Carnaval é coisa muita séria e eu e João Fernando, idealizador do maior e melhor bloco do Carnaval do Universo, Feijoada da Mamãe, não abríamos mãos, pés, cabeça e coração da seriedade necessária. Enfim, todo corpo das ladeiras olindenses. “Bom demais, bom demais. Menina vamos depressa que o frevo é bom demais”. Este ano não iremos. Somos a favor da ciência. Que venha 2023,
sem pandemia e de tudo que nega a democracia, a ciência e as diversidades humanas e seus direitos na integralidade. Sem hierarquização.

A notícia da gravidez foi marcada pela alegria, que é uma das definições para felicidades. Os cuidados são iniciados nas consultas antes dos nascimentos. Os dias dos partos foram marcados por nervosismo, ansiedade e curiosidade. Assistir aos nascimentos me proporcionaram uma mistura de uma beleza inexplicável, com elevada emoção e expectativa para que tudo ocorresse bem, com cada um e as mães. Os primeiros dias de vida foram desafiantes.

Como segurálos? Seus corpos ainda tão frágeis… Como dar o primeiro banho? Confesso que a insegurança no segurar foi enorme e se a memória não estiver falhando demorou dias para que eu adquirisse a confiança necessária. Quanto ao primeiro banho, foi bem mais tranquilo. Colocálos de cabeça para baixo, segurar com uma mão e jogar a água morna com a outra. Suavemente. Sem pressa. Com cuidado para não deixar a água cair nos ouvidos. A cabeça podia virar. Mantêla sempre para baixo. Minha mãe deu as principais dicas, lições e observava para verificar se eu não iria cometer nenhum desatino. Acho que passei nos primeiros testes. Recordo-me que não choraram. Era um bom sinal de que apreendi. E fiz corretamente.

Levar para tomar banho de sol era um prazer total. Lembro-me que numa manhã levei Bruno para tomar banho de sol perto do apartamento, em Jardim Brasil II, na querida Olinda. Estava com ele apoiado numa única mão, como se fosse uma mini cama, de cabeça para cima. Uma senhora chegou bem próximo e disse algo que entendi como um alerta de que não devia segurálo daquela maneira, que ele não gosta daquela posição. Eu disse para ela observar que ele dormia com um rostinho que transbordava paz. Dupla felicidade. Do filho e do pai.

As consultas após os nascimentos foram momentos de aprendizados e de felicidades. Sim, aqueles momentos foram, na minha paternidade, de felicidades. Para amar é preciso olhar e cuidar. Levar para fazer o teste do pezinho é de vital importância para o diagnóstico precoce de várias doenças.

Caramba, lembro-me que é um momento extremamente delicado e que as enfermeiras foram super atenciosas nas explicações e nos cuidados para uma única picada, essencial para retirar o sangue. Não precisou furar a veia mais de uma vez. Alívio paternal. Todas as vacinas foram e continuam sendo essenciais, inclusive, contra as gripes e a Covid19. Estou com a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que autoriza a vacina a partir dos cinco anos de idade.

Os cuidados com a alimentação são especiais e a amamentação é o principal nutriente. Lembro-me da querida Rachel Niskier, conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) na mesma época em que fiz parte do colegiado. Ela representava a Sociedade Brasileira de Pediatria e em diversas oportunidades, especialmente no café da manhã no Retiro Assunção, em Brasília, ela ficava explicando os inúmeros benefícios do leite materno, naquela oportunidade para João Fernando, que mamou até um ano de vida. Lembro-me de uma consulta a um dermatologista. O médico não nos olhou e nem examinou a cabeça de João Fernando. Mas, passou uma pomada. Rasguei a receita quando saí do consultório. Telefonei para a pediatra, relatei o fato e solicitei outra indicação.

A primeira ida de Bruno à escola se constituiu num momento de felicidade singular. Ele entrou na escola e nem olhou para trás. Foi caminhando e entrou na sala de aula. Uma primeira e evidente demonstração de autonomia bate na lembrança. João Fernando, começou mais cedo, por volta dos seis meses, para facilitar a amamentação. De lá, lembro-me de uma apresentação da escola no Teatro do Parque, em Recife, e ele participou. Sua estreia teatral. Anos depois ele ganhou o prêmio de melhor ator no Festival Estudantil de Teatro e Dança do Recife, com o personagem o Chapeleiro, numa releitura do livro Alice no País das Maravilhas, na peça Um Chapéu Cheio de Chá (2012), do Grupo Macambira da Academia Santa Gertrudes.

Dos aprendizados de pai, preciso declarar que das vivências aprendi que programação de lazer e festa de criança e de adolescentes, inclusive os aniversários, devem ser momentos com e para eles. Não precisa ter bebidas alcoólicas. E os brinquedos devem ser sempre educativos. Armas de brinquedo, nem pensar. Atualmente contínuo indignado quando vejo uma criança brincando com armas, mesmo que seja de plástico, madeira ou qualquer outro material.

Dia desses, recebi uma foto de João Fernando com quase três dezenas de livros empilhados.

Adorei a ideia da sua retrospectiva de leituras de 2021. Estamos tristes com o fechamento de diversas livrarias no Brasil. Recentemente, estivemos na Livraria Cultura que fica no centro comercial, em Recife. Saímos desolados. Nem de longe lembra a riqueza e diversidade no acervo de três anos atrás. No máximo, quatro.

Mas, iremos insistir nas leituras, com o prazer das descobertas, ampliação de conhecimentos e novos horizontes. Livros foram os nossos presentes de final de ano. São, permanentemente, imprescindíveis, insubstituíveis. Não foi a primeira vez e nem será a última.

Que venham vários finais de ano, com livros para nutrir as nossas mentes e os nossos corações.

Declarei em outras oportunidades que o Bruno Sabino é meu principal educador. Uma espécie de Paulo Freire pessoal. E João Fernando é meu influenciador não digital. O primeiro, por volta dos cinco ou seis anos de idade, disse: “Pai, não precisa gritar. Basta falar”. A frase é autoexplicativa.

E eu? Silêncio. A lição é eterna. Quero agradecer publicamente ao Bruno pela profundidade do ensinamento e da lição de humanidade e de civilidade. Num mundo marcado por redes virtuais (redes sociais, integram outras dimensões, pelo menos as minhas) João Fernando tem o hábito de no final e/ou no início do ano, desligar o zap, mas antes ele avisa. Quis saber o motivo: “Pai, é uma tranquilidade e não faz falta. Depois, eu ligo novamente e a vida não parou. Ela continua e segue.”

Aliás, ele demora a responder mensagens ao longo do ano. Se preciso falar, é melhor telefonar.

Talvez você esteja sentindo falta de outros aspectos no percurso, entre os quais, as presenças das mães. Mas, as linhas traçadas são sobre a minha paternidade, com as marcas das felicidades.

Quem sabe eu volto ao tema em outra oportunidade para compartilhar outras vivências. Para o momento, meu muito obrigado aos meus filhos pelos ensinamentos. Vou continuar o caminhar de aprendiz. Sem fim da paternidade[1], com as felicidades que lhes são inerentes.

*Fernando Silva é mestrando em Educação, Culturas e Identidades Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Contato: jfnando.silva@gmail.com

[1] https://promundo.org.br/ é possível acessar a Cartilha: Fortalecer as paternidades responsáveis e participativas.

Fotos: Acervo pessoal de Fernando Silva