Felizmente a vida continua
José Ambrósio dos Santos
Em 02.03.2022
Foi na noite da Quarta-feira de Cinzas do Carnaval de 2020, há dois anos, que ele se despediu da sua gente, das ruas e ladeiras do Cabo de Santo Agostinho (PE), que tanto amou. Enquanto alguns foliões ainda curtiam a ressaca de dias de folia, Douglas Menezes, que há algum tempo se afastara dos inebriantes festejos de Momo, assistia pela televisão, em casa, ao jogo do Santa Cruz. E foi justamente enquanto vibrava por seu time do coração, que ele parou.
Maior cronista do Cabo de Santo Agostinho nas últimas quatro décadas, Douglas Menezes era também escritor, poeta, constista, compositor e professor. Partiu rápido, sem se despedir dos muitos amigos e admiradores. Como na canção Evocação n° 1, de Nelson Ferreira, ele deu “Adeus, adeus, minha gente / Que já cantamos bastante…” A cidade adormecia ainda sem saber que dava adeus àquele que, como diz o professor Nelino Azevedo, “…muito melhor do qualquer um de nós, soube protagonizar as vidas simples e corriqueiras das pessoas do Cabo de Santo Agostinho nas suas constantes crônicas.”
As suas crônicas eram tão constantes que mesmo naquela Quarta-feira de Cinzas, horas antes de se encantar, ele escreveu a sua última crônica, que ironicamente tinha o título: Felizmente a vida continua.
Felizmente a vida continua
Por Douglas Menezes
Pois novamente a ilusão acaba e se renova para um novo carnaval. Todo ano tem, todo ano vem, igual e diferente. O amanhecer traz a novidade de um novo momento, como o pôr do sol prenuncia a manhã chegante. A natureza faz isso pra que a gente se renove ou se mantenha rotineiro, feliz, ou não, a quarta-feira é igual à outra qualquer.
Acho mesmo, nem tão ingrata assim. Pois, para o bem ou para o mal, a vida continua, com milhões lutando pela sobrevivência, sem a chance de alguns, a festejarem o carnaval da abastança, muitas vezes, conseguida através da esperteza e da exploração dos mais humildes.
Também eu acho que carecemos de ilusão, um pouco. Ela traz poesia à vida, sustenta os sonhos, ajuda aguentar os trancos da existência pesada, de uma dureza a não se suportar, muita vez. Por isso, um pouco de carnaval prolonga a utopia de que se é feliz, ao menos uns dias por ano.
Daí a dor ao terminar esse reinado de fantasia. Quando o pobre se sente um pouco elite, um pouco rei e rainha. Enfim, amanhã as cinzas estarão dissipadas na quinta-feira cotidiana, com os foliões fazendo as contas juvenis, aguardando de novo o momento de se virar criança, na busca do próximo carnaval de ilusões e sonhos e cinzas ingratas.
Quarta-feira de Cinzas, 26 de fevereiro de 2020.
NOTA DO EDITOR – A crônica Felizmente a vida continua encerra o livro Douglas Menezes, um operário das letras, de autoria de José Ambrósio dos Santos, com lançamento programado para o próximo dia 19 de março. A frase aspada do professor Nelino Azevedo foi transcrita do prefácio do livro Douglas Menezes, um operário das letras, que ele assina.
Magnífico! Parabéns Ambrósio! Saudades de Douglas!
E então, amiga Vera Rocha. Uma forma de divulgar e preservar o legado do maior cronista do Cabo de Santo Agostinho nas últimas quatro décadas. Douglas Menezes será recordado e lido por muitas gerações.