Princesa Isabel, a indecifrável

Por

Jénerson Alves*

Em 13.05.2022

Era um domingo. Dia 13 de maio de 1888. Os líderes da Confederação Abolicionista entregaram à princesa uma pena de ouro. Suas níveas mãos se tornaram firmes. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas Sicílias e Bragança assinou a Lei Áurea.

Pedro Calmon registrou que, após a assinatura, “uníssono, estentórico, um aplauso que estrugiu no salão, prolongou-se pelas dependências do edifício, ganhou a praça, logo parecia o desafogo fabuloso, não só de uma cidade, de uma população que ali se comprimia, entre perplexa e encantada, como o do país todo que falasse por mil bocas, de suas classes reconciliadas, de suas forças imanantes, da própria terra explodindo num hino bárbaro…”.

Conta-se que José do Patrocínio, efusivamente, jogou-se aos pés da imperadora, para beijá-los, como que em louvor à “santa Isabel”…

Em ‘A Semana’, ninguém menos do que Machado de Assis escreveu: “Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito em carruagem aberta, se me fazem favor, hóspede de um gordo amigo ausente; todos respiravam felicidade, tudo era delírio”.

De próprio punho, a princesa confidenciou que teria sido aquele um dos dias mais belos de sua vida, a não ser pela enfermidade do pai.

Estudiosa, católica, sagaz, sensível. Essas são algumas características daquela que assinou a lei. O compositor Carlos Gomes dedicou-lhe a ópera ‘O Escravo’; Chiquinha Gonzaga fez a ela o ‘Hino da Redentora’.

Hoje, em que as cegueiras ideológicas deturpam inclusive as pesquisas acadêmicas, parece-me que a Princesa Isabel torna-se um ser indecifrável. Há uma carência de mais estudos biográficos acerca desta importante personagem da história brasileira. Em uma época onde a mulher vivia praticamente voltada para atividades domésticas, ela dirigiu um país das dimensões do Brasil. Em um mundo que já trilhava o caminho da secularização, ela trouxe a fé ao debate público ao apontar convicções religiosas como elementos motivadores da libertação dos escravos. Se ela não foi ‘redentora’, embora tenha sido popularmente conhecida dessa forma, em uma coisa creio: Isabel foi, antes e acima de tudo, encantadoramente, MULHER!

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.  

Foto: Arquivo Nacional