Para onde vão as sacolinhas de plásticos utilizadas no comercio?

Por

Alcivam Paulo de Oliveira*

Em 15.05.2022

Estamos enxugando gelo.

A pergunta que dá título a esta crônica me veio no dia em que precisei de um saco plástico para colocar o lixo de casa e descobri que não tinha. Havia feito as compras em um supermercado que não tem sacolas plásticas… então, tive que comprar sacos de lixo.

Lembrei de todo o movimento que, em pelo menos sete estados brasileiros, criaram leis para banir as sacolas plásticas dos supermercados. Será que isso contribui para eliminar o plástico da vida humana? Tenho cá minhas dúvidas, afinal, quase todas as sacolas plásticas terminam sendo reutilizadas para descartar lixo. E se não forem elas, serão os próprios sacos de lixo. Aquelas lixeiras feitas de pneu de carros e que a gente deixava na rua para o carro do lixo pegar, parece coisa do passado…

Essas e outras iniciativas que focam na responsabilidade individual do consumidor para enfrentar o plástico no mundo, me fazem sentir cheiro de embuste no ar. Será que o consumo é quem deve ser responsabilizado pelas soluções ao problema ecológico? Não creio.

Veja, ninguém é estimulado a consumir bebida em vidro. As latinhas de alumínio que têm um alto custo energético para sua produção, parecem não ser problema. No Brasil, já houve ano em que se reciclou mais de 98% das latinhas que foram distribuídas no Mercado. E por quê? Vejo dois motivos: primeiro, porque, do ponto de vista do lucro das empresas, vale a pena investir na logística reversa, isto é, comprar as latinhas coletadas; segundo, porque a situação social e econômica do país disponibiliza um “exército” de catadores – subempregados, componentes da classe social que Jessé de Souza nomeou de ralé, cujas origens estão na postura das “elites do atraso” e seus atos desde o episódio da libertação dos escravos.

Isso me leva a crer que o problema de nossa relação com a “natureza” não está no consumo, mas na produção. Lembrando que a economia é formada por esses três componentes: produção, circulação e consumo. No conto de fadas dos economistas clássicos e de seus descendentes, tudo se resolve na relação entre produção e consumo, oferta e demanda. A inflação? É demanda demais para oferta de menos, aumenta-se os juros para reduzir a demanda e tudo se resolve. Você acredita? Se acredita, diga-me como vai se reduzir o consumo da principal razão de alta da inflação hoje no Brasil: a gasolina. O desemprego? Estimula-se o consumo (baixando juros e oferecendo crédito), reduz-se a carga tributária, enfim, medidas para aumentar a produção e o desemprego se resolve. Você acredita?

As soluções mágicas da economia contemporânea não dão certo porque ela trata o produção, a circulação e o consumo como componentes distintos, comandadas por entes distintos na sociedade. Não é verdade! A produção, quer dizer, os produtores, aqueles que são donos dos meios de produção (na economia atual, tem também o personagem que controla o principal meio de produção, o capital. É a chamada financeirização da economia), controlam os três componentes. Eles decidem o que produzir, quando produzir, como produzir, o quanto devem produzir… Eles decidem como deve ser a circulação das mercadorias e controlam o que você, eu e todo mundo devemos consumir.

Há uma frase atribuída a Ford, aquele que sempre é citado como criador da linha de produção industrial: você pode comprar um carro Ford de qualquer cor, desde que seja preto. E ela sintetiza tudo. São os produtores e não os consumidores que ditam a “moda”, o comportamento do consumidor. 

Claro, é muito importante que todas as pessoas tenham consciência do problema ecológico e contribuam de alguma maneira para enfrentá-lo. O movimento ecológico, a racionalidade ecológica, desde que não seja de cunho romântico, como retorno a São Francisco de Assis, vendo  natureza com idealismo, é condição necessária para que, aos poucos, se vá construindo uma consciência social. Na verdade, essa consciência-racionalidade parece-me ser a única coisa realmente diferente do que se chama Modernidade, justamente porque encara a relação humano-natureza tendo no centro não o humano (próprio da Modernidade), nem a natureza (próprio da visão romântica), mas a própria relação, ela precisa ser de respeito, considerando que a natureza não é fonte inesgotável para o progresso humano e, muito menos, um ente passivo.  O que estou afirmando é que isso exige outras formas de ação, outras medidas para que não sejamos, nós humanos, responsáveis por uma nova era geológica: o antropoceno, marcada por extinções provocadas por nós mesmos.

A logística reversa seria a primeira. Assim como já se conseguiu que, de alguma forma, as empresas que produzem pilhas sejam responsáveis pelo seu descarte, seria o caso de fazer as empresas que usam embalagens plásticas, também o serem. Mas precisamos ir mais além.

Estamos passando da hora de vermos toda a cadeia econômica e não apenas o consumo. Você gastaria três litros de água para produzir um litro? Há sentido gastar dez calorias para produzir uma caloria? Não, não é? Mas é isso que acontece no mundo da produção, salvo raras exceções. E por quê? Porque a produção é determinada não pelo cálculo de calorias empregadas, mas pela geração de lucro, nos termos técnicos, de remuneração do capital. E essa remuneração tem duas fontes principais: a exploração da mão de obra, buscando ampliar a produção sem aumento de custos (em economia, chama-se produção marginal) e o repasse de custos para o consumidor (em economia se chama externalização de custos).

Não ter sacolas plásticas ou fazer coleta de material reciclável é importante para duas coisas. Para o equilíbrio ecológico e para reduzir custos das empresas produtoras. No segundo caso, a redução desses custos só alimenta ainda mais o modo como as empresas produzem. Estamos enxugando gelo.

*Alcivam Paulo de Oliveira é professor. alcivampaulodeoliveira@gmail.com
Foto destaque: pensamentoverde.com.br