O fim do herói fabricado

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 19.05.2022

A nossa mente colonizada pelos heróis de Hollywood pouco se atenta a certas armadilhas que adentram no inconsciente e nos fazem desejar ser e fazer as proezas exibidas nos filmes. Aplaudimos os heróis, que, especialmente nos filmes policiais, não raras vezes ignoram a lei e os superiores para “resolver” os crimes. Também é comum se justificar a vingança como algo legal dentro do fazer justiça. Dessa forma, se padroniza a contradição de que pode-se cometer crimes para solucionar outros crimes. Assim, ficamos a um passo da barbárie e os entes responsáveis pela justiça (a polícia, o poder judiciário) perdem gradativamente a credibilidade.

Em 2020 escrevi um artigo de opinião intitulado Dom Sebastião e as eleições no (in) consciente coletivo (pode ser conferido no link https://falouedisse.blog.br/?p=3938) onde expus um traço da cultura brasileira que é a busca por um “salvador da pátria” na política, no futebol, etc. As pessoas parecem atribuir a uma única pessoa a resolução e também a culpa pelos problemas mais graves da nação. Talvez seja mais cômodo pensar assim que fazer um exercício mental mais complexo que é o de averiguar criteriosamente o contexto dos problemas.

O herói, de acordo com Leonardo Boff em seu célebre livro A Águia e a Galinha (1997), é um arquétipo do nosso inconsciente. Todos nós somos, em certo sentido, heróis. No entanto, somos heróis de nós mesmos à medida que buscamos superar os desafios da nossa existência.

Herói coletivo é, em geral, projeção tortuosa de pretensas virtudes e poderes mediada pelas imagens hollywoodianas já mencionadas.

O último herói que se tentou produzir no Brasil, o ex-juiz Sérgio Moro, tropeçou na própria arrogância, quis se colocar acima do bem e do mal, acima das instituições, surfou na mídia comercial, cometeu crimes no direito processual, liderou um processo viciado desrespeitando uma das máximas do direito que é de ser imparcial e justo. Por fim, aceitou participar de um governo internacionalmente reconhecido por ser inimigo das instituições democráticas. Ou seja, um herói fabricado que deu um tiro no próprio pé. Tudo isso, em nome de uma pretensa justiça e moralidade nacional.

Hoje, o falso herói amarga o ostracismo político e jurídico. Tornou-se uma mala sem alça, pesada demais pra ser carregada inclusive por seus criadores. Que possamos aprender de uma vez por todas que heróis não existem. Que cada um, cada uma, só faz o possível. O impossível não nos cabe. Que, embora a justiça e as demais instituições democráticas possam ser falhas, sem elas, tudo seria muito pior.

No mais, atentemos especialmente neste ano de eleições para possíveis heróis fabricados que podem novamente enganar as pessoas, arrebatando milhões para suas fileiras.

*Enildo Luiz Gouveia – Professor, teólogo, poeta, cantor, compositor e membro da Academia Cabense de Letras – ACL.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

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