Dom Sebastião e as eleições no (in) consciente coletivo
Enildo Luiz Gouveia*
Em 23.09.2020
A obra O Romance d’a Pedra do Reino (1971), do escritor Ariano Suassuna, narra uma experiência do messianismo ocorrida em 1836, em São José do Belmonte, município do sertão pernambucano. Tal episódio prometia a volta do Rei Dom Sebastião, que morrera em combate na África em 1578. Dom Sebastião retornaria a Portugal e depois viria ao Brasil instalar um reino de justiça e fartura.
São registrados eventos do messianismo também em Bonito – PE (1817) e Canudos – BA (1896), entre outros. Já no século 20, com a gradativa industrialização do país e a cambaleante República em vigor, o messianismo adentra o (in) consciente coletivo não mais em função de Dom Sebastião, mas do populismo político de alguns expoentes. Getúlio Vargas, Jango (João Goulart), Collor, Lula e mais recentemente, Bolsonaro, entre outros nomes, apesar de possuírem várias diferenças no pensar e no agir republicano e democrático, assumiram tal messianismo no imaginário popular. Esta expectativa por um “salvador” da pátria se expressa ainda no futebol quando se endeusa um único jogador em detrimento da equipe. Ela faz ainda desconsiderar, por exemplo, a existência dos outros poderes, Legislativo e Judiciário, tão importantes quanto o poder Executivo. O que se espera mesmo é a chegada de um super-herói como já cantava Edson Gomes: “A gente precisa de um super-homem que faça mudanças imediatas”. O imediatismo é outro traço do messianismo político.
Segundo Aquino; Mendes & Boucinhas (2009), o messianismo teve inúmeros eventos entre os séculos 19 e 20 no Brasil, em geral associados às zonas sertanejas, a pobreza e desigualdades. Para os autores “O messianismo designa movimentos sociais cujos integrantes acreditam estar próxima a vinda de um enviado de Deus, ou messias, que criará neste mundo uma sociedade plena de felicidade, de justiça e de paz. A palavra messias deriva de mashiah, vocábulo hebraico que designa o ungido de Deus.” Assim, qualquer semelhança com o Brasil de 2018-2020 não é mera coincidência.
Chegamos em 2020 e às vésperas de mais uma eleição municipal, percebe-se que o discurso messiânico, recheado de hipocrisia e falsas promessas ainda é uma realidade. Parte da população adere de forma ingênua enquanto muitos candidatos surfam na onda posando sorridente, com jingles de fazer chorar, pois é necessário emocionar o povo para que o mesmo não ouse pensar.
*Enildo Luiz Gouveia é professor e membro da Academia Cabense de Letras.
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Foto destaque: artrianon.com