O Ucides Cordatus

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 28.07.2022

Éramos a analogia dos homens-caranguejo criticada por João Cabral de Melo Neto, analisadas por Josué de Castro e cantada por Chico Science & Nação Zumbi.

Comemorou-se anteontem  (26 de julho) o Dia Mundial de Proteção dos Manguezais, um dos ecossistemas mais biodiversos e importantes do mundo. Os manguezais ocorrem em praticamente todo o litoral brasileiro e são de extrema importância para a dinâmica de deltas e estuários, atuando como regulador de aportes de sedimentos na dinâmica das marés e produção de alimentos para a fauna marinha e terrestre, além, claro, de ser fonte de alimentos para nós, seres humanos.

No entanto, apesar de sua insubstituível importância biológica-econômica-nutricional, os manguezais são também um dos ecossistemas mais impactados pela ação humana. Por estarem na faixa litorânea, onde habitam cerca de 80% da população brasileira, os manguezais estão sendo extintos por causa de aterros, desmatamentos, pesca predatória (não respeito ao período de defeso, uso de laços…) e poluição hídrica, etc.

Guardo em minha história de vida uma relação profunda com o manguezal do Rio Jaboatão (PE). Lembro-me que bastava uma noite de trovoadas que pela manhã corríamos para as margens do Rio ou adentrávamos o mangue em busca do principal alimento: o Ucides Cordatus, mais conhecido como caranguejo-uçá. Fazíamos isto às vezes por diversão e na maioria das vezes, por necessidade. Éramos a analogia dos homens-caranguejo criticada por João Cabral de Melo Neto, analisadas por Josué de Castro e cantada por Chico Science & Nação Zumbi. Esta espécie, especialmente para os moradores dos bairros de Pontezinha e Ponte dos Carvalhos, no Cabo de Santo Agostinho (PE), representava além do alimento, uma fonte de renda, pois com frequência eram vendidos (juntamente com outras espécies de crustáceos) às margens da BR-101.

Também podemos afirmar que a relação com o manguezal se manifestava na cultura local. Pontezinha, por exemplo, chegou a ter uma banda de rock em sua homenagem (a banda Ucides Cordatus) e mais recentemente ganhou uma festa denominada Festa do Caranguejo. Comer, ou melhor, chupar um caranguejo chega a ser um ato relaxante e extremamente prazeroso. Lembro-me de uma professora que dizia que, quando ia à praia e não havia caranguejos para consumo, ela voltava triste, incompleta.

Atualmente está cada vez mais difícil encontrar o caranguejo-uçá e seus “parentes” em seu habitat. Nas feiras é notório o aumento no preço das cordas de caranguejo que também diminuiu de tamanho. Sabemos que quando algo começa a se tornar raro o seu preço aumenta e, assim, esta riqueza natural não escapa da famigerada lei de mercado. Da lama ao caos!

*Enildo Luiz Gouveia – Professor, poeta, teólogo, cantor e compositor. É membro da Academia Cabense de Letras – ACL.

Imagem: Internet