Folha em branco
Jénerson Alves*
Em 29.07.2022
Há dias em que nós mesmos somos como folhas em branco. Há dias nos quais o nosso interior precisa de preenchimento.
Preencher uma folha em branco é um enorme desafio. Raramente as palavras fluem, como as águas de um rio que buscam o mar. Normalmente, escrever é um trabalho árduo, como o artífice que lima a matéria-prima e nunca se satisfaz com o resultado. O mundo das coisas não alcança a perfeição vista no mundo das ideias.
Na língua inglesa, usa-se a expressão writers’block para designar a condição em que o autor se sente temporariamente inabilitado para produzir algum tipo de conteúdo. E escritores de elevado naipe passaram por isso. Vinicius de Moraes já registrou haver dias nos quais a crônica “não baixa”. E descreveu: “O cronista levanta-se, senta-se, lava as mãos, levanta-se de novo, chega à janela, dá uma telefonada a um amigo, põe um disco na vitrola, relê crônicas passadas em busca de inspiração – e nada.”
Acredito que nisso tudo há uma metáfora. Ademais, parece que a vida é toda uma metáfora. A Fortuna utiliza uma coisa para nos ensinar outra. Há dias em que nós mesmos somos como folhas em branco. Há dias nos quais o nosso interior precisa de preenchimento. Há dias em que as exterioridades nada representam. Telefonemas, músicas, a visão das pessoas passando pelas ruas, tudo isso não parece significar nada. A vida é chata, cinzenta.
Nesses dias, é preciso agir como o cronista. Escrever, mesmo sem inspiração. Escrever porque essa é sua missão, seu ofício, seu compromisso. Para tanto, é necessário ouvir aquela voz branda que fala no interior do coração. É estar consciente de si (mesmo quando essa consciência é apenas uma faísca em meio à escuridão). E confiar que há um Cronista maior do que nós, capaz de dar coerência e coesão às nossas frases e corrigir com amor os deslizes que cometemos na gramática da existência.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Imagem: ‘Os tormentos do trabalho criativo’, de Leonid Pasternak.