ANGOLA: “Já se passaram 21 anos desde a última vez que um médico veio aqui”
Médicos Sem Fronteiras*
Em 07.04.2023
Ximena Di Lollo, coordenadora de MSF na província de Huila, Angola, escreve sobre o trabalho com clínicas móveis para levar cuidados de saúde ao vilarejo de Tchuila.
Equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão trabalhando em colaboração com o Ministério da Saúde para levar clínicas móveis a áreas remotas em Angola. Nossa coordenadora na província de Huila, Ximena Di Lollo, compartilha suas impressões apoiando este trabalho para ajudar as comunidades a acessar aos cuidados médicos.
“Já se passaram 21 anos desde a última vez que um médico veio aqui”, diz Joâo, um dos anciãos do vilarejo, enquanto seus olhos acompanham a movimentação das pessoas que montam a clínica móvel. “A última equipe móvel chegou em Tchuila há mais de duas décadas, e depois… esquecimento. Mais tarde, apenas em poucas ocasiões, algumas motocicletas chegaram de postos de saúde distantes com vacinas. Elas vinham durante os dias da semana, quando as crianças estavam nos campos cultivando com seus pais. Foram muitos anos de espera”, diz Joâo enquanto a sombra da acácia o protege do sol.
Procurando sensibilizar e atuar para a necessidade de cuidados de saúde das pessoas, há um ano o soba (mais alta autoridade desta região no município de Cuvango) confiscou uma caixa de transporte de vacinas azul por sete dias.
“Eu não vou devolvê-la até que alguém venha a Tchuila para dar assistência médica”, disse ele.
A caixa foi deixada vazia e guardada, uma testemunha da passagem do tempo. Quando, no final de janeiro, a enfermeira Nai me disse que precisávamos atuar com uma clínica móvel em Tchuila, olhei para o mapa e tive muitas perguntas. Como costumamos fazer em MSF, no dia seguinte, peguei o carro e comecei uma longa jornada de cerca de sete horas para saber mais.
Durante a nossa viagem, assistimos a bela imensidão da terra vermelha angolana, que nos deixa sem palavras, impossível de descrever. Também foi gratificante ver a equipe do Ministério da Saúde comprometida e entusiasmada em trabalhar conosco.
A população de Tchuila cresceu para mais de sete mil habitantes. Há algum tempo, as autoridades decidiram abrir um pequeno centro de saúde. Esse foi o primeiro passo na comunicação com a comunidade sobre os cuidados de saúde que poderiam chegar em breve, primeiro através de clínicas móveis e, posteriormente, através da construção de uma instalação.
Nosso estado de sonolência logo passou quando, após quatro horas de viagem, chegamos à primeira ponte, uma infraestrutura precária que, mais do que conectar, isola a cidade de Tchuila e muitas outras. Ao atravessá-la, a roda traseira do nosso carro ficou presa entre dois troncos, e entendi o significado de uma situação que as pessoas chamam, em Angola, de “confusão”.