História

Por que o Brasil se chama Brasil

Edison Veiga/DW

Em 22.04.2025

Da explicação convencional que fala de um certo tipo de madeira à mitologia celta, o nome do país carrega significados anteriores ao conceito de nação. Entenda como o país foi “batizado”.

Muito provavelmente foi assim que você aprendeu na escola. Quando a frota portuguesa comandada por Pedro Álvares Cabral (1467-1520) aportou no hoje território brasileiro, em 22 de abril de 1500, primeiro a porção então conquistada foi chamada de Ilha de Vera Cruz, depois Terra de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz, então Santa Cruz e, só então, Brasil.

Também deve ter aprendido que a nomenclatura Brasil tinha a ver com a abundância de pau-brasil da costa então invadida, e esta madeira têm esse nome pelo tom avermelhado da tinta que dela se extrai, daí a analogia entre a cor e a brasa, a brasa e o nome pau-brasil.

De certa forma tudo isso pode ser entendido como verdade. Mas com o cuidado necessário para o fato de que a verdade história também é uma construção — e ao longo de 525 anos, interesses vários se sobrepuseram na construção mítica e nacional do país que depois surgiria nessas terras, a hoje República Federativa do Brasil.

“As nomenclaturas eram embaralhadas pela profusão e composição de descrições, relatos e de muita imaginação. O pensamento analógico predominou na compreensão e na explicação do mundo moderno. Este não é um raciocínio linear. É ordenado por aproximações entre imagens e sentidos atribuídos, a partir de dados imprecisos, simbolismos e interpretações”, diz o historiador Paulo Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

O batismo de um país

Costuma-se dizer que o Brasil é um raro exemplo de país com “certidão de nascimento”. No caso, considera-se a carta assinada pelo escrivão Pero Vaz de Caminha (1450-1500), integrante da frota de Cabral incumbido de reportar à Coroa portuguesa sobre a viagem, como o primeiro documento redigido no território brasileiro.

Datada de 1º de maio de 1500, a dá informações sobre como os primeiros portugueses chamaram estas terras. Sobre o dia 22 de abril, ele comenta que o capitão, no caso Cabral, chamou a montanha primeiramente avistada de Monte Pascoal — era época da Páscoa — e “à terra, Terra de Vera Cruz”.

Pero Vaz de Caminha apresenta a "Carta do Descobrimento"
Pero Vaz de Caminha apresenta a “Carta do Descobrimento”. Pintura de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, concluída em 1900Foto: Public Domain

De acordo com o estudo da linguista Maria Vicentina do Amaral Dick (1936-2024), que era professora na Universidade de São Paulo (USP) e ficou conhecida como notória especialista em toponímias, esta escolha não se deu por acaso: a expedição chefiada por Cabral trazia, como amuleto, lascas daquilo que se acreditava, como relíquia, ser a verdadeira cruz na qual Jesus foi executado. Daí o batismo de Vera Cruz, ou seja, “cruz verdadeira”.

A mesma carta de Caminha, contudo é assinada como “da vossa Ilha de Vera Cruz”. O que denota uma confusão, na cabeça daqueles pioneiros, quanto ao tamanho das terras conquistadas.

Gradualmente, na documentação, observa-se que ilha vai perdendo espaço para terra, e Vera Cruz vai sendo simplificada para Santa Cruz. Outros nomes também passam a coexistir. Pindorama, a partir de idioma indígena. Terra dos Papagaios, pela abundância dessas aves por aqui.

Mas Brasil também aparece, é verdade.

As diferentes nomenclaturas conviviam. Da mesma maneira que a ideia territorial da então colônia portuguesa na América era uma realidade difusa, fluida, imprecisa. Havia, nesse princípio de colonização, quem se referisse ao território como Nova Lusitânia e Cabrália — em homenagem a Pedro Álvares Cabral —, por exemplo. “Em 1501, os portugueses utilizaram o nome Terra Nova, refletindo a novidade da descoberta”, pontua o historiador Vitor Soares, do podcast História em Meia Hora.

O primeiro mapa pós-descobrimento a grafar a palavra Brasil é o Planifério de Cantino, de 1502. Mas não há consenso se o autor estava se referindo ali ao território ou à árvore pau-brasil. No fim dessa mesma década, o cosmógrafo português Duarte Pacheco Pereira (1460-1533) chama a região de “terra do Brasil de além-mar”.

Segundo o historiador Martinez, o consenso na explicação etimológica para o nome do Brasil, ou seja, ligando o nome da terra ao nome da madeira, “foi estabelecido […] pelo pragmatismo político e pela construção do imaginário nacional do século 19”. Ou seja: antes disso não se ensinava que o Brasil se chamava Brasil por causa do pau-brasil.

 Ilustração de corte de pau-brasil por André Thevet, 1575
Ilustração de corte de pau-brasil por André Thevet, 1575Foto: Public Domain

O historiador Soares lembra que esta é a explicação mais aceita para o nome do país: a origem “diretamente relacionada à exploração do pau-brasil, árvore abundante no litoral atlântico e muito valorizada pelos europeus [da época] eplo seu corante vermelho”. “Os portugueses começaram a chamar a região de Terra do Brasil já nos primeiros anos do século 16 e, pouco depois, o nome foi reduzido simplesmente para Brasil”, ressalta.

Professora no Serviço Social da Indústria (Sesi) e pesquisadora na Unesp, a historiadora Bruna Gomes do Reis ressalta que é uma “teoria” a ideia de que o nome do Brasil deriva da madeira pau-brasil. “O corante avermelhado da madeira já era conhecido pelos portugueses e tinha variações do nome […] que significa cor de brasa ou vermelho”, diz ela, lembrando que então autores do período colonial, como o jesuíta José de Anchieta (1534-1597) acabam popularizando o nome Brasil para o território. “[Mas] é inegável que a palavra brasil surgiu antes.”

Reis lembra que a historiadora Laura de Mello e Souza, professora na Universidade Sorbonne, na França, diz que a palavra Brasil era “um nome a procura de um lugar”. Isto tem a ver com a mitologia celta, por mais incrível que possa parecer.

“O nome Brasil antecedeu a localização geográfica”, comenta o filósofo e educador Marcos da Silva e Silva, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

A versão celta

Se por um lado parece fazer muito sentido pensar em Brasil como uma referência ao pau-brasil, então a primeira riqueza explorada pelos portugueses no território, por outro é intrigante perceber que o nome Brasil e algumas variações já estravam presentes em mapas e documentos europeus anteriores ao episódio conhecido como “descobrimento”.

Isso é muito curioso e indica que, assim como Atlântida e outras terras míticas, a ideia de Brasil como um local paradisíaco já estava presente no imaginário europeu.

“Desde a Alta Idade Média [do ano 476 até o ano 1000], circulavam lendas sobre uma ilha misteriosa chamada Hy-Brasil […]. Em um de seus livros relacionado ao tema, a pesquisadora Barbara Freitag [socióloga e brasilianista, professora emérita da Universidade de Brasília] explica que essa ilha apareceu em diversos mapas náuticos entre os séculos 14 e 19, sendo retratada, por exemplo, no mapa de Angelino Dulcert, de 1325, e no atlas de Andrea Bianco, de 1436”, diz Soares.

Silva e Silva comenta que “mapas europeus [feitos] entre 1351 e 1500 descreviam Brasil”, com grafias variadas, para “designar um lugar diferente, uma ilha”. Era como uma miragem, uma terra especial que haveria de existir.

“A ilha era descrita como visível apenas uma vez a cada sete anos, surgindo da névoa como um ‘paraíso celta‘ ou ‘Ilha dos Abençoados'”, complementa Soares. Brasil derivaria, portanto, da palavra celta “bress”, que significa “abençoar”.

Reis lembra que essa explicação vem de “antigas tradições e lendas que falam de ilhas atlânticas perdidas no tempo e no espaço”, locais bem-aventurados, afortunados e místicos””. “Deste modo, a relação com o território descoberto na América seria de que eram lugares paradisíacos, como descrevem as primeiras cartas de Caminha, místicos e ainda a serem explorados”, comenta.

Os nomes indígenas

Entre os habitantes nativos, é compreensível imaginar que não havia um nome que compreendesse todo o território: afinal, viviam aqui pelo menos 3,5 milhões de indígenas de cerca de 1 mil povos diferentes.

O nome Pindorama, por exemplo, que acabou convencionado como a maneira como os indígenas denominavam o Brasil, seria a maneira como um povo se referia a uma parcela das terras. “Antes da chegada dos europeus, as terras que hoje chamamos Brasil eram um mosaico de territórios indígenas, cada qual com seus próprios topônimos, muito anteriores a qualquer ideia de ‘país’ unificado”, explica Soares.

Os tupi, que dominavam a faixa litorânea, chamavam-na de Pindorama, do tupi pindó, ‘palmeira’, e rama, ‘lugar’, ou seja, Terra das Palmeiras”, exemplifica. Estes mesmos habitantes litorâneos chamavam o interior, então ocupado por povos do tronco jê e outras etnias, de nomes como Tapuiretama ou Tapuitetama, ou seja, Terra do Inimigo.

“Culturalmente distintos e ocupando lugares descontínuos, os indígenas que viviam no Brasil antes da chegada dos portugueses não se organizavam a partir de uma unidade cultural, geográfica, linguística ou qualquer outra”, lembra Reis. “A fragmentação espacial e cultural imperava. Além de que a noção de unidade territorial, estado-nação e país eram conceitos que não faziam parte do pensamento indígena.”

A Primeira Missa no Brasil. Pintura de Victor Meirelles, concluída em 1860
A Primeira Missa no Brasil. Pintura de Victor Meirelles, concluída em 1860Foto: Public Domain

O nascimento do Brasil

Se a referência ao nome do Brasil aparece desde antes da invasão do território em si, é importante lembrar que os historiadores têm um consenso de que o Brasil não passou a existir em 1500, com a chegada dos portugueses. Isto porque a ideia de nação, de país, é necessariamente posterior à Independência — antes, o que havia era uma colônia portuguesa, ainda que em dado momento tenha passado a ser chamada de Brasil.

Assim, o país nasce mesmo em 1822 — para alguns especialistas, somente em 1889, com a proclamação da República.

“A compreensão de quando o Brasil deixou de ser apenas um conjunto de capitanias coloniais para se afirmar como nação envolve muito mais do que marcos formais”, pontua Soares. “Mas também as narrativas simbólicas que foram forjando uma consciência coletiva.”

“Para além dos eventos políticos [como Independência e Proclamação da República], a consolidação do Brasil como entidade simbólica e cultural passa pelo estabelecimento de mitos fundadores”, ressalta ele. “O Brasil enquanto nação plena não nasceu em um único dia.”

Imagem destaque: Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, em 1500. Pintura de Oscar Pereira da Silva – Foto: Gemeinfrei

 

O que você achou desse conteúdo?

Discover more from

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading