O fenômeno religioso: o crescimento evangélico na sociedade e na política.
Ricardo Jorge Silveira Gomes*
Em 26.07.2020
A prática religiosa interage com os mais variados espaços da sociedade, inclusive nos espaços políticos. As religiões podem responder de forma efetiva e eficaz às necessidades e aos interesses sociais da população.
Segundo Mendonça (1990), a inserção dos evangélicos no Brasil se deu por duas vias: primeiro, pelo processo imigratório, no começo do século XIX, e segundo, pela via missionária, ocorrida na mesma época. Pelo processo da imigração, na primeira metade do século XIX, há a chegada de imigrantes alemães no Brasil, principalmente na região sul, que fundaram a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. Já pela via missionária, deu-se início, na segunda metade do século XIX, a chegada ao país de missionários da América do Norte e da Europa.
Assim, em 1855 temos a fundação, no Rio de Janeiro, da Igreja Congregacional do Brasil e, em 1863, a Igreja Presbiteriana do Brasil. Posteriormente, muitas outras denominações protestantes vieram para o Brasil, entre elas os batistas e os anglicanos. Estas denominações são tidas como protestantes.
O Censo de 2010 revelou um crescimento significativo da população evangélica no Brasil, que passou de 15,4% em 2000, para 22,2% em 2010. Dos que se declararam evangélicos, 60,0% se disseram de origem pentecostal, 18,5% evangélicos de missão e 21,8 % evangélicos não determinados. Segundo este mesmo censo, diminuiu o número dos que se designaram católicos ao longo da última década e aumentou o número dos que dizem não ter religião. Estes números apresentam um Brasil bem participativo no que diz respeito a políticos ligados à vida religiosa (CENSO, 2010).
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que de 1940 a 1980, os evangélicos passaram de 2,6% a 6,6% da população brasileira. E no último levantamento, em 2000, eles chegaram a 15,4%, ou seja, mais de 26 milhões de adeptos. Estima-se que esse conjunto já seja superior a 32 milhões de pessoas, sendo dois terços de pentecostais e os demais protestantes históricos.
O Brasil é um país de crescente diversidade e competição religiosa. As igrejas se multiplicam quase diariamente e a mobilidade religiosa aumenta, bem como o número dos chamados “sem-religião”. Importa frisar que estes não deixam de ser, necessariamente, religiosos, mas não se consideram pertencentes a nenhuma religião organizada. Esse processo de mudança, num país tradicionalmente católico, é fruto de uma enorme mobilidade no campo religioso.
Neste meio religioso, crenças, práticas culturais e rituais são incorporadas, nem sempre com as mesmas características originais, com velocidade e versatilidade impressionantes. Às vezes dão origem a novas sínteses idiossincráticas, noutras resultam em surpreendentes desdobramentos. Daí os obstáculos para se refazer o tortuoso caminho de volta à gênese de determinada crença ou prática ritual. (MARIANO. P. 42.1999)
O crescente numérico constatado a partir dos anos de 1980, especialmente de denominações pentecostais e neopentecostais, transformou as maneiras de imaginar os evangélicos no Brasil. Após as duas décadas que separam o censo de 1991 e o de 2010, o percentual de declarantes evangélicos passou de 9% para 22,2%, um aumento sobretudo de denominações pentecostais e neopentecostais (Censo, 2010).
No município do Cabo de Santo Agostinho, cidade localizada no Estado de Pernambuco, os católicos (das igrejas Apostólica Romana, Apostólica Brasileira e Católica Ortodoxa), representam 51%. Entretanto, os evangélicos (de Missão, igreja evangélica Luterana, Igreja Evangélica Presbiteriana) representam 49% da população do município. (IBGE, 2010)
O sociólogo Ricardo Mariano, que se dedicou na sua dissertação de mestrado a compreender, nos anos 90, um novo tipo de Pentecostalismo no Brasil que vinha se estruturando desde os anos 70 do século XX, deu vida e consagrou definitivamente o conceito acima citado ao apresentar-lhe as características mais marcantes. Esse trabalho foi publicado em 1995 e ele mesmo nos alerta sobre a necessidade de continuarmos a pesquisa nesse subcampo quando diz que:
Subjacente às observações feitas… está a ideia de que o neopentecostalismo abriga apenas uma parcela das igrejas pentecostais formadas nos últimos vinte e cinco anos [ele estava escrevendo em 1995]. Infere-se disso que o movimento pentecostal é bem mais complexo e abrangente do que as correntes cujos contornos delineamos. Isso remete, ainda, para a eventual existência de outras vertentes menores e menos visíveis em seu interior. Quanto ao futuro pentecostal, a virtual ocorrência de transformações para muito além das já realizadas nesse campo religioso, tanto faz se decorrentes de importações teológicas, de sincretismos, de idiossincrasias de novas lideranças e de cismas institucionais, corresponderia à formação de novas correntes pentecostais e, portanto, implicaria a formulação de novos tipos ideais para classificá-las. (MARIANO 1995:37-38)
Mariano não estava fazendo futurologia quando prenunciava, na década de 90, que o pentecostalismo passaria por inúmeras transformações. Sua intuição sociológica apurada pressentia que sua análise, como, aliás, qualquer análise científica, é e precisa ser provisória, se não, se torna dogmática. A tarefa não é fácil e nem simples, mas necessária em virtude da necessidade que existe de se compreender melhor o subcampo pentecostal brasileiro.
O neopentecostalismo teve seu início no Brasil por volta da segunda metade da década de 1970 (MARIANO, 2004), quando vários segmentos das igrejas evangélicas de cunho pentecostal, IURD, Internacional da Graça de Deus, Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra e Renascer em Cristo passaram a pregar a doutrina da renovação pentecostal (MARIANO, 2004). Esse movimento, como ficou conhecido, caracteriza-se por enfatizar a atualidade dos milagres divinos, a guerra contra o diabo e seus representantes aqui na terra e a Teologia da Prosperidade, segundo a qual, os filhos de Deus, os cristãos, devem ser prósperos e vitoriosos em seus empreendimentos terrenos. Doutrinas bastante difundidas entre seus seguidores, não importando a classe social a qual pertençam, o que a fez crescer; ganhar visibilidade e seguidores no Brasil.
Embora o fenômeno do neopentecostalismo seja considerado recente, suas origens remontam ao pentecostalismo “clássico” que teve sua introdução e expansão no Brasil mais precisamente na primeira década do século XX, (MARIANO, 2004). O pentecostalismo “clássico” abrange as igrejas Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus. Um segundo grupo de igrejas surge no Brasil a partir da década de 1950, tendo seu evangelismo centrado na pregação da cura divina. Desse grupo surgiram as igrejas Brasil Para Cristo, Deus é Amor e Casa da Benção.
Ao analisar os neopentecostais, Ricardo Mariano faz uma sociologia do novo pentecostalismo no Brasil – como sugere o título de seu livro – atesta a ruptura com o ascetismo do qual os crentes foram sempre estigmatizados, como também a progressiva acomodação em relação à sociedade; o que, na visão do autor, são mudanças significativas que tornam esse segmento protestante menos distinto (MARIANO, 2012).
A participação dos evangélicos na política partidária foi relativamente pequena na maior parte do século XX, ganhando projeção em 1986, a partir das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte com expressivo crescimento de 90% da representação pentecostal; o destaque foi da Assembleia de Deus com 13 deputados eleitos. Em 2002, a representação evangélica em Brasília cresceu bastante, chegando a 51 parlamentares, com 49 deputados federais e 3 senadores eleitos (FONSECA, 2002).
Com o aumento de políticos ligados a crenças religiosas, em sua maioria pastores de igrejas evangélicas, há um visível interesse de aproximação de líderes de diversos partidos que buscam apoio eleitoral. Afinal, o púlpito das igrejas acaba por se tornar um palanque ideal, com público cativo e garantido. Segundo Campos (2006), vale a pena ressaltar que esta participação não é recente, pois, já nos anos 30, os evangélicos estavam presentes em cargos do executivo, inclusive com a organização de associações protestantes com objetivos políticos.
Em relação ao crescimento da participação evangélica nos órgãos de discussão e deliberação política, como a Câmara Federal, é importante ressaltar que este grupo demonstrou a sua capacidade de influência política no exercício de suas funções previstas na Constituição Federal. No entanto, é preciso lembrar que este assim denominado “grupo evangélico” apresenta uma pluralidade de posicionamentos, evidenciando uma maior liberdade no que diz respeito à atuação no espaço legislativo.
Conforme Bourdieu (1998), os agentes religiosos participam ativamente no mundo e constroem suas visões de mundo. Logo, ao considerarmos o campo religioso como esse espaço de jogo e de disputa pela conquista de almas, temos posições claras acerca de ataque, defesa e percepção do uso de estratégias de forma a deslegitimar o outro. Assim, emerge uma série de acusações que representam ao mesmo tempo expectativas e o que mais? Sendo assim, as alianças de solidariedade almejam reforçar a conquista de espaço no âmbito do sagrado versos as posições políticas.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, S. Pentecostais e neopentecostais na política brasileira. São Paulo.2008.
BURITY, Joanildo. Religião, política e Cultura. Tempo social: revista de sociologia da USP, v.20, nº 2.2008.
BOURDIEU, Pierre. e a produção social da cultura, do conhecimento e da informação / organização Regina Maria Marteleto e Ricardo Medeiros Pimenta. – 01. ed. – Rio de Janeiro : Garamond, 2017.
IBGE, Censo demográfico 2010: Características da população e dos Domicílios – resultados p MARIANO, Ricardo. “O futuro não será protestante”. CienciasSociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, v. 1, n. 1: p. 89- 114. 1999.
MARIANO, Ricardo. “O futuro não será protestante”. CienciasSociales y Religión / Ciências Sociais e Religião, v. 1, n. 1: p. 89- 114. 1999.
___________________. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da igreja universal. Instituto de estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Estud. Av. v. 18. N. 52. São Paulo, dec.2004. Disponível em : http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0103-401420004000300010&script=sci_arttext&ting=en. Acesso em 16 de dezembro de 2015.
MENDONÇA, Antonio Gouvéia. O protestantismo no Brasil e suas encruzinhadas. Revista USP, São Paulo. Nº 67, p. 48-67, setembro/novembro, 2005.
FONSECA, A. B. Evangélicos e Mídia no Brasil. Bragança Paulista: Editora Universitária. São Francisco. 2003
*Ricardo Jorge Silveira Gomes é professor, historiador, mestre, doutorando em Ciências das Religiões e membro da Academia Cabense de Letras
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
A verdade é que, já não se fazem igreja como antigamente. Toda receita de uma boa igreja, hoje tem que ter uma boa dose de POLITICAGEM.
Boa tarde amigo!
Infelizmente esse mix,torna-se cristalino intencional na busca pelo poder político e privilégio, consequentemente excrudente da evangelização.