A dura realidade da saúde pública (ontem e hoje)

Por

Valéria Saraiva*

Em 29.08.2020

Há seis anos (Recife, 03 de de março de 2014).

Fico pensando e de repente acabo me vendo outra vez em uma sala de UTI cuidando de uma paciente com leucemia em parada cardiorrespiratória. Fazendo massagem cardíaca e ambusando ao som de bipes e alarmes de vários aparelhos.

Às vezes me lembro do quanto somos solidários nas horas mais difíceis.

Quando uma criança nasce de um parto normal muito rápido, sem pestanejar você é capaz de a segurar com as mãos, mesmo sem calçar as luvas, com medo de o bebê cair e sofrer traumatismo craniano.

Não entramos na saúde para ver gente morrer. Entramos para fazer tudo o que for possível e inimaginável para salvar a vida das pessoas.

Não somos máquinas. Mas, em muitos casos, mesmo com os olhos vermelhos e as pálpebras quase fechadas, um profissional percorre os corredores de um hospital desesperado e, infelizmente às vezes, por questão de segundos chega tarde demais.

Onde se escondeu o Sistema Único de Saúde (SUS)? O SUS ainda não foi implantado completamente, tem falhas e recebe poucos recursos do governo. Infelizmente, temos que trabalhar em serviços mal equipados e com equipe desfalcada, porque o SUS ainda não é prioridade para os nossos governantes.

Não são só as vidas dos pacientes que são destruídas. O sistema vai levando na bagagem do tempo a juventude, a lucidez e a vida de muitos profissionais da saúde.

Os estádios de futebol não salvam vidas. Gosto de assistir apresentações de circo, mas o pior circo que existe se forma a cada dois anos e não fica em nenhum picadeiro. E às vezes – ou na maioria das vezes – assumimos papel de palhaços. Sem qualquer ofensa a esses maravilhosos artistas que ainda nos fazem sorrir.

Não cuido de política, mas os políticos também adoecem.

E nós, profissionais de saúde, estamos encarcerados num sistema cuja mordaça ainda vai cair.

Quando a humanidade cair em uma terceira guerra mundial eu não quero estádios de futebol, quero hospitais.

Se é que sobrará alguém vivo para contar a história depois que tudo explodir como em Hiroshima e Nagasaki.

Dias atuais

Essa crônica foi escrita há seis anos atrás. Na época, o sistema de saúde estava sucateado e o governo construindo estádios de futebol gigantescos para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. O SUS era escanteado e hoje, como naquele ano, mesmo em meio a uma destruidora pandemia causada pelo novo coronavírus, o sistema de saúde enfrenta grave falta recursos.

Nem de longe imaginei que seis anos depois de escrever essa crônica ela ainda estaria tão atual.

Graças aos esforços de várias entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos governos estaduais e municipais, estamos conseguindo enfrentar essa pandemia que já matou quase 120 mil brasileiros. Mas, enquanto não houver a vacina, o isolamento social é a melhor saída para não sobrecarregar os serviços de saúde. Em Pernambuco a curva está em declínio, mas isso não é motivo para se relaxar nos cuidados. As coisas só vão voltar ao “normal” quando toda a população for imunizada.

E tenho fé que isso aconteça o mais breve possível.

*Valéria Saraiva é enfermeira, poetisa, cronista, autora do livro Lírios, tulipas e escorpiões e membro da Academia Cabense de Letras.

Foto destaque: apologo11.blogspot.com