Refugiados: como você os vê?

Por

José Ambrósio*

Em 01.09.2020

Ultimamente tem sido frequente o encontro em sinais de trânsito em Candeias e Piedade (Jaboatão dos Guararapes) com refugiados venezuelanos pedindo ajuda para sobreviver. Homens e mulheres (em geral jovens e quase sempre com filhos menores) exibindo placas de papelão indicando a procedência do país vizinho e nas quais destacam a necessidade de apoio humanitário. Eles – os refugiados – são centenas em Pernambuco, milhares no Brasil e milhões no mundo. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) estima em mais de 63 milhões. Esse é o contingente de pessoas sob seus cuidados. São pessoas e povos deslocados em razão de guerras, conflitos, perseguições.

Criada em 1951 para reassentar refugiados europeus que estavam sem lar após a Segunda Guerra Mundial (1939/1945), a ACNUR expandiu sua atuação e hoje conta com16 mil trabalhadores que estão na linha de frente de emergências humanitárias em todo o mundo, buscando sempre soluções adequadas e duradouras para esses povos, de maneira a fazer valer o princípio da não discriminação que está no centro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proclama que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

A busca por asilo é diária e são muitos os que não conseguem formalizar o pedido nos países aos quais se destinavam, pois perecem no percurso, seja em territórios inóspitos (desertos, florestas), em mares agitados ou pela mira de fuzis de terroristas travestidos de guerrilheiros e até mesmo aos pés de muros insuperáveis.

São Paulo abriga grande número de refugiados. No primeiro semestre de 2020, o Centro de Referência para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP) atendeu 3.882 pessoas de 73 nacionalidades. Entre as nacionalidades mais atendidas, 52% são pessoas vindas da Venezuela, 7% da República Democrática do Congo, 6% da Síria e 6% da Colômbia. Esses dados foram apresentados no dia 26.08, em uma live realizada pela CASP em parceria com a ACNUR. Pela primeira vez, o percentual de mulheres atendidas se equiparou ao de homens, com índices crescentes nos últimos três anos.

Em artigo publicado ontem na página da ACNUR, o médico e romancista afegão Khaled Hosseini, autor de ‘O Caçador de pipas’, procura desfazer a imagem de que o refugiado seja uma pessoa vulnerável, indefesa, que foge da violência e precisa desesperadamente de resgate. Afirma ser essa uma narrativa incompleta da história e mais uma injustiça com os seus protagonistas. Diz que embora os refugiados de fato precisem de proteção, eles são definidos muito menos por sua condição de beneficiários de cuidados do que por sua insondável coragem, resiliência e desejo de autossuficiência.

Hosseini faz a seguinte pergunta logo no início do artigo: “O que você faria se um dia, após anos de discriminação, sua cidade natal fosse atacada por homens armados? Seus vizinhos mortos enquanto seus filhos olham? Casas totalmente queimadas? Se você é rohingya, você pega seus filhos, pega os pertences que pode carregar e corre para salvar sua vida.” Refere-se ao drama vivido por centenas de milhares de rohingya que fugiram dde Mianmar, há três anos. “Lembro-me de assistir com horror imagens de famílias rohingya fugindo de Mianmar, caminhando descalças pelos campos de arroz, suas vidas nas costas, deixando para trás suas casas, seus meios de subsistência, seus mortos e os amigos e entes queridos muito velhos, muito fracos ou muito abatidos para seguir. Eles chegaram à fronteira exaustos, feridos, traumatizados e precisando de atendimento urgente”, descreve.

Ressalta que logo ao chegarem a Bangladesh os refugiados rohingya assumiram papéis essenciais de liderança na resposta humanitária ao seu próprio sofrimento e para isso contaram com o apoio da ACNUR e de ONGs parceiras. Formaram um modelo de proteção baseado na comunidade, dando aos refugiados a oportunidade de ter um certo controle sobre suas próprias vidas e aprender novas habilidades. O modelo deu protagonismo a todos os membros da comunidade rohingya.

O escritor afegão diz estar comovido e inspirado pela resiliência dos refugiados rohingya. “Eles são sobreviventes. Eles escaparam de horrores indescritíveis, fizeram a longa e dolorosa jornada para Bangladesh e superaram as muitas dificuldades da vida nos campos”, destaca. E prossegue: “Eles continuam a mostrar força em manter a esperança e o compromisso de voltar para casa, contra todas as probabilidades. E agora, a cada dia, sob a sombra de uma pandemia, eles estão trabalhando, liderando, curando e desafiando nossa ideia de “quem é um refugiado.”

Onde residiam os venezuelanos que costumamos encontrar? Quais são as suas histórias, os seus sonhos?

Quando os encontrar, e a quaisquer outros refugiados aqui, no Brasil e no mundo, dê ao menos um alô, um sorriso, gestos que no mínimo demonstrem que você os vê com respeito e apoia a luta e o sonho (em muitos casos) de voltar para casa.

*José Ambrósio é jornalista.

Foto destaque: nacoesunidas.org