A luta não acabou
Valéria Saraiva*
Em 08.09.2020
O amor e eu não nos entendemos. Algumas pessoas nasceram para ser amadas e talvez até felizes. Talvez eu não seja uma dessas pessoas.
Também não consigo ser feliz vendo a infelicidade dos outros. Tenho um forte senso de consciência. A infelicidade das outras pessoas me afeta.
Como posso saborear uma refeição se no meu inconsciente, me lembro de centenas de crianças sofrendo fome e remexendo o lixo pra procurar alimentos?
E, por outro lado, o que eu posso fazer para mudar tudo isso?
Sou muito pequena diante de tão grande problema, como bem definiu o sociólogo e ativista dos direitos humanos Herbert de Sousa, conhecido como Betinho (1935/1997): “É um absurdo um país com tanta terra ociosa assistir sua população vegetar na periferia das grandes cidades”. Betinho concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida
Prêmio Nobel da Paz (1993) e considerado o mais importante líder da África Negra, o sul-africano Nelson Mandela disse, ao refletir sobre a fome no mundo: “Ainda há gente que não sabe, quando se levanta, de onde virá a próxima refeição. E há crianças com fome que choram.”
O governo ignora a miséria e os miseráveis. A sociedade exclui e massacra os marginalizados. Dentro da ostra na qual me fechei, minha cabeça fervilha. Sinto-me inútil e presa ao sistema.
Esperar por políticos parece não ter dado muito certo até agora.
A maioria não se importa com as pessoas. Só quer enriquecer na política e ludibriar a população.
Uma mudança real precisa vir do povo. Só a sociedade unida será capaz de mudar o rumo da história.
O problema é que sociedade? Temos boas pessoas nesse país, mas também temos uma parcela grande da população com vícios que vêm da política antiga, do toma lá da cá. Temos uma sociedade corrupta, preconceituosa, machista, fanática e que se identifica tanto com o fascismo.
Na verdade, nós temos exatamente os políticos que merecemos. Porque eles são o espelho da sociedade que criamos.
Estamos encurralados em um beco sem saída. E não pensem que o exterior é melhor que nossa pátria mãe. Lá fora sofremos xenofobia. E acabamos excluídos fora do nosso país.
Refletindo sobre a situação na qual o nosso país está penso o que diriam, ou melhor, o que fariam Joaquim Nabuco, Frei Caneca, Domingos José Martins ou Cruz Cabugá. Não temos metade da coragem e determinação deles. Vivemos como ratos escondidos nas nossas próprias casas.
Observemos o que disse o escritor, professor e futurologista norte-americano Jacque Fresco: “No instante em que você ouvir a palavra ‘liberdade’ ou ‘democracia’, tome cuidado, porque em uma nação verdadeiramente livre, ninguém precisa dizer que você é livre.”
Diplomata e um dos líderes da Revolução Americana, Benjamin Franklin advertia, ainda no século 18: “A democracia são dois lobos e um cordeiro votando sobre o que comer no almoço. A liberdade é uma ovelha bem armada contestando o voto.”
Pensamos que com a Constituição de 1988 e com a volta da democracia tudo estaria resolvido. Mas tem muito chão para percorrer. E temos que defender essa democracia conquistada com tanto sacrifício por nós. E tentar fazê-la funcionar a favor do povo.
A luta não acabou!
*Valéria Saraiva é enfermeira, poetisa, cronista, autora do livro “Lírios, Tulipas e escorpiões” e membro da Academia Cabense de Letras.
Foto destaque: outraspalavras.net