Os fatos e as versões

Por

Ayrton Maciel*

Em 13.09.2020

Jair Bolsonaro volta a fazer o que mais gosta: mentir. Não fossem a negação da gravidade da pandemia do coronavírus, a resistência a criar o auxilio emergencial para trabalhadores e desempregados e a indiferença no apoio à sobrevivência das pequenas empresas, o presidente da República poderia estar ululando de glórias. Não fossem a zombaria da OMS e dos pesquisadores, o menosprezo à ciência e a infâmia sobre os protocolos de prevenção, Bolsonaro poderia – na legitimidade e na ética – reivindicar, agora, uma citação no crédito sobre a redução do contágio e das mortes. Ao contrário, largou governadores e prefeitos por conta de cada um.
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O presidente mente com uma desfaçatez natural. É um insulto às mais de 130 mil mortes e tantas outras que ameaçam vir. Bolsonaro equilibra-se sobre mentiras. Não fosse (ele) o retrato do terraplanismo – não como teórico, mas por prática -, não fosse a empáfia de agressor dos heróis nos hospitais e não fosse um “chalaça” de seus seguidores nas ruas contra governadores e prefeitos, caberia, agora, assumir papel de protagonista. Ao invés, cabe-lhe o personagem caricato de “último ditador da Terra”. Ou seja, aquele que não existe, mas que foi tentado.
Em pronunciamento público de ato de assinatura de ordem de serviço, tarefa em que deveria se concentrar, Bolsonaro relacionou tudo ao qual não dedicou vontade (para conter o vírus), creditando méritos ao seu governo, quando eles pertencem aos que não negaram a gravidade. Um pronunciamento cínico e a encenação de uma farsa. É o segundo ato de uma obra única. O primeiro está nas redes sociais, aparelhos de maculação de honras e destruição de biografias de adversários, históricos e novatos. O segundo está na manipulação da opinião pública.
Como se consegue mentir com tamanha naturalidade? É verdade que ele tem um ídolo e tem inspiração. Bolsonaro é a cópia terceiro-mundista (ainda há resquícios desse estágio no mundo) de Donald Trump, o presidente norte-americano e ídolo. E tem Steve Bannon, marqueteiro-estrategista (ex-Trump), e o filósofo Olavo de Carvalho – pregadores da subversão dos conceitos e do saber científico – como oráculos da direita extremada e das ideias acéfalas. O terraplanismo é milenar, mas a Terra gira e o ser humano favorece o retorno sobressalente – de tempos em tempos – de ideias incríveis (supostamente mortas).
Mentir faz parte da personalidade do presidente. Não há desconforto ou constrangimento nas falas. Por ideologia ou interesse pessoal, mente com convicção, como quem acredita no que diz. É uma política de governo para a propaganda da gestão Bolsonaro. Nada diferente do que tem feito Trump nas redes sociais e nos eventos públicos nos EUA, notadamente reforçado agora na campanha eleitoral. Bolsonaro é uma cópia servil e encenadora de Trump. In Trump he trust! 
Entre os dois governantes nada é por acaso ou coincidência. Se Trump minimizou os efeitos do que rotula de “o virus chinês”, diz agora que suas medidas impediram a morte de milhares de americanos (como se as quase 200 mil vítimas fossem insignificantes); se é acusado de lerdo e incapaz nas ações, responde que a oposição é que procurou obstruir as providências. Se a economia embicou em queda, a culpa é dos governadores que decretaram isolamento (por vontade de Trump, as empresas e escolas  teriam ficado abertas. E o auxilio seria zero). O liberalismo puro não contempla a compaixão.
Nada mais semelhante a um governo Trump do que um governo Bolsonaro. Em ambos, a mentira é ideológica. Os fatos têm a versão inversa.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Escreve aos domingos.
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