Qual o propósito da educação?
Vera Lúcia Braga de Moura*
Em 24.09.2020
A educação nos ensina a sermos seres humanos melhores. Essa é a ideia que me vem logo à mente. Respeitar e acolher as pessoas, aos seres e a vida, entender a importância que uns têm na vida dos outros. Entender a educação como a sintonia orquestrada de uma boa música, que favorece o nosso bem-estar. Esse é um dos propósitos da educação; prover bem-estar às pessoas e ao mundo. Pablo Casal, violoncelista e maestro espanhol, nos diz que “Deveríamos imaginar que somos uma das folhas de uma árvore e que a árvore é a humanidade inteira. Não podemos viver sem os outros, sem a árvore”. Esse princípio da interdependência postulado pelo violoncelista espanhol nos ensina que o ser humano diante da sua incompletude, tão bem refletida por Paulo Freire, necessita da outra pessoa para prosseguir a sua trajetória de vida.
Nessa direção, pensando nos direitos humanos como garantias de direitos universais para todas as pessoas, ainda é um grande desafio. Dessa forma, é uma premissa a se construir a efetivação dos direitos humanos como um bem comum e direito de todos. Mesmo que aspiremos coletivamente bem-estar, dignidade como condição inerente aos seres humanos, independente de suas diferenças identitárias, singularidades, modos de ser e oportunidades para todos, a prática social ainda é desafiadora.
A educação, como força transformadora da sociedade e das pessoas, pode nos ensinar que as nossas experiências têm a ver com a forma que enxergamos as nossas relações e a maneira que olhamos o mundo. Nesse sentido, é importante ampliarmos as nossas visões e compreendermos que existe uma série interminável de diferentes formas de enxergar o mundo. Precisamos aprender a flexibilizar nossas certezas e conceber as possibilidades de diferentes formas de ser e estar no mundo e que, nesse contexto, não existem padrões certos ou errados, mas formas diferentes de agir, pensar, sentir e de caminhar. O que não podemos negociar são violências, essas adoecem, mutilam, excluem, oprimem, humilham, e muitas vezes destroem o ser humano.
Outra tarefa importante da educação é promover o diálogo entre as várias formas de cultura, de perceber o mundo. Nesse prisma, Mikhail Bakhtin, filósofo russo, ressalta que “Viver significa tomar parte no diálogo: fazer perguntas, dar respostas, dar atenção, responder, estar de acordo e assim por diante” (apud FARACO,2006, p.73). Quando ampliamos a nossa forma de olhar o mundo e as pessoas, vemos que para além do certo e errado, existe um espaço que é o da comunicação, da dialogicidade, das aprendizagens, dos encontros humanos e que esses podem nos levar ao bem viver. Esse sentimento e essa expressão do bem viver têm raízes em algumas culturas indígenas, onde o significado dessa expressão tem a ver com a forma que essas pessoas se relacionam, como por exemplo, as tomadas de decisões coletivas, a relação de respeito que estabelecem com a natureza, inclusive consideram a terra como parte de sua constituição, intitulando-a de mãe terra.
Como pensar a educação em um mundo plural? Como desenvolver seu propósito educacional numa multiplicidade de visões de mundo? A educação pode possibilitar novas formas de enxergar o mundo. Para isso é fundamental respeitar a pessoa nas suas singularidades, na forma de ser de cada um, por mais difícil que possa parecer, mas todos têm o direito de vivenciar as suas identidades, o seu modo de ser, desde que não machuque ninguém e, também, não atente contra si mesmo.
Uma perspectiva humanista é a base necessária para pensar a educação como um bem comum, assim como promover o bem-estar humano. É importante ressaltarmos que o entendimento de bem-estar pode variar entre as diversas culturas, assim como as visões de qualidade de vida, de felicidade, de necessidade, de aprendizagens, o que deve ser aprendido, estudado, guardado. A educação deve empoderar as pessoas, subsidiá-las no seu direito de cidadania e pertencimento social. Escutar o outro é um ato pedagógico e afetivo, é uma ação humanizadora e de amor. Mas, falar também dignifica a pessoa, sobretudo, quando a educação possibilita dar voz a quem não foi ouvido e motiva a todos a livre expressão.
A educação, considerando seus propósitos, não se limita a adquirir habilidades e aplicá-las, mas envolve também valores humanos, como o respeito pela vida, pela dignidade humana e aceitação do outro. Esses valores são fundamentais para a harmonia social diante das diversidades humanas. Essa compreensão potencializa o papel da educação no desenvolvimento das condições necessárias para que as pessoas tenham vidas mais significativas e dignas.
A UNESCO afirma “que preservar e promover a dignidade, as capacidades e o bem-estar do ser humano, em relação aos outros e à natureza, deveriam ser o propósito fundamental da educação no século XXI”. Assim, é reafirmado o propósito da educação na promoção da dignidade e no bem-estar humanos. Destacamos valores humanistas que devem ser a base e o propósito da educação, conforme afirma, ainda, a UNESCO: “o respeito pela vida e dignidade humanas, igualdade de direitos e justiça social, diversidade social e cultural, sentimento de solidariedade humana, acolhimento, responsabilidade compartilhada por um mundo melhor”.
É importante, nessa perspectiva, compreender que as questões éticas são fundamentais para o processo democrático e exercício da cidadania. Essa compreensão potencializa o papel da educação no seu fazer pedagógico desenvolvendo competências necessárias para que as pessoas construam vidas mais significativas, harmoniosas e dignas. É necessário observar e considerar as várias dimensões do sujeito no processo de suas aprendizagens. Deve-se veicular uma abordagem integrada compreendendo que, para além da cognição, existem outros aspectos como as dimensões socioemocionais que precisam ser vistas e consideradas nas pessoas. O princípio da ética da alteridade é basilar para se estabelecer convivências saudáveis e cidadãs seja no âmbito escolar, ou na sociedade. Além do movimento empático em direção de compreender o universo do outro, a escola precisa ensinar que devemos nos responsabilizar pelo bem-estar de todos e que somos autorresponsáveis pelas nossas convivências.
Nessa direção, é fundamental reafirmar uma abordagem humanista à aprendizagem ao longo da vida, com vistas ao desenvolvimento social, econômico e cultural, como afirma a UNESCO, em que podemos complementar com a dimensão afetiva. Esse desenvolvimento ultrapassa o viés instrumental e busca compreender os sujeitos do ponto de vista sistêmico, valorizando todas as áreas da vida para efetivação da sua cidadania, bem como, as garantias de suas dignidades. Ao ressaltar a importância da aprendizagem ao longo da vida como um princípio organizador da educação, é fundamental integrar as várias dimensões da vida humana. Necessitamos pensar o propósito da educação considerando uma abordagem mais ampla no que se refere às aprendizagens. A superação das dicotomias tradicionais entre aspectos cognitivos, emocionais e éticos relacionadas às aprendizagens é imprescindível para a efetivação de uma educação humanista e comprometida com o bem-estar e o desenvolvimento humano.
Assim, é importante destacar o papel essencial dos educadores e daqueles comprometidos com o bem-estar social em assegurar a aprendizagem ao longo da vida para além dos sistemas formais de educação. A importância desse papel pedagógico e educativo se materializa nos diversos programas de formação, em várias partes do mundo, destinados a contribuir com a educação formal e não formal. Essas práticas pedagógicas oferecem oportunidades de aprendizagem em vários espaços sociais, buscando promover o desenvolvimento humano e seu bem-estar de forma equitativa e cidadã.
A UNESCO destaca para as dimensões do que seria um currículo humanista na perspectiva de formulação e conteúdo de políticas de educação. Considerando o conteúdo e métodos, um currículo humanista provoca mais perguntas do que oferece respostas. Promove o respeito pela diversidade e a se contrapõe a todas as formas de hegemonia (cultural), estereótipos e preconceitos. É um currículo baseado em uma educação intercultural, que considera e respeita a pluralidade da sociedade, as singularidades dos sujeitos sociais e, ao mesmo tempo, assegura o equilíbrio entre pluralismo e valores universais. Nessa direção, para que os marcos curriculares sejam legítimos, o processo de construção curricular deve ser baseado no diálogo, por meio de políticas educacionais participativas e inclusivas.
É importante ressaltar que ao lidarmos com gente respeitemos os seus sonhos, o sentido estético e ético do fazer humano. “Como prática estritamente humana, jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie racionalista”, como ensina Paulo Freire (1996,p.145), na obra Pedagogia da Autonomia.
Finalizando com a fala da liderança indígena brasileira Ailton Krenak, quando diz: ” A educação não tem nada a ver com o futuro. O futuro é uma coisa imaginada e a educação é uma experiência que tem que ser real e acontecer no cotidiano, no aqui e agora! A educação acontece no hoje”. Desejo que no nosso fazer cotidiano, como postulou o indígena, façamos acontecer uma educação inclusiva, acolhedora, afetiva e respeitosa. E, como propósito basilar da educação, que aprendamos a escutar uns aos outros e que sejamos melhores seres humanos a cada dia.
Vera Lúcia Braga de Moura é Professora e doutora em História. Gerente de Políticas Educacionais de Educação Inclusiva, Direitos Humanos e Cidadania. SEDE/ Secretaria de Educação e Esportes do Estado de Pernambuco. Escreve às quintas-feiras.
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Foto destaque: medium.com
Vera,
Seu artigo tem vários méritos, entre eles, o de animar as caminhadas, as lutas.
Prezado Fernando , agradeço imensamente a sua interação ! Muita alegria o seu comentário! Abraço.
O genial Albert Einstein afirmou que” Educação é o que resta depois que a gente esqueceu tudo que aprendeu na escola”… daí a importância de potencializa-la em vários espaços sociais dignificando, acolhendo e percebendo o outro. Avante!!!
Obrigada Lucia! Excelente comentário ! Abraço !