Uma canção, por favor

Por

Douglas Menezes*

Em 24.09.2020 (em memória)

Preciso ouvir urgente uma canção de amor. Dessas que abrem janelas e acendem luzes, fechando túneis, abrindo esperanças mortas que a vida trata de sepultar.

Ao lado da rede, os jornais fedem a políticos. Cheiro de não se suportar. Cadáver insepulto há muito, trazendo náusea e aquela tristeza de que nada vale a pena nesse país tão dilacerado.

Fossa sem tamanho, canção antiga de Maria Creuza, a pedir sentida à volta do amor sem retorno. As músicas de sofrimento não seriam populares se houvesse finais felizes, sempre, nas coisas do amor.

Preciso ouvir uma canção de Chico; feminina, sensível, carente, pedinte, suplicante de amor; e que aplaque a sede e transborde a noite de sensualidade, o sereno dessa lua cheia, grávida de comoção, como a querer abraçar o mar.

Sim, preciso ouvir uma canção de Roberto. Ouvir o roteiro do amor cavalgado; sem culpa, em meio às estrelas, a testemunhar na junção do que é sublime e a nos fazer mais humanos e menos sozinhos.

Preciso ouvir uma canção que seja o comungar de um com o outro, mesmo em sonho da madrugada sem amanhecer. Preciso, sim, porque não está fácil. Está doendo viver aqui.

Está doendo olhar toda a gente sem saber para onde caminhar. Norte sem sul, sem leste, nem oeste. A bússola enlouquecida. Os jornais fedendo a políticos.

Traga-me urgente, companheira, preciso ouvir uma canção de amor.

NOTA DO EDITOR

Com a publicação da crônica Uma canção, por favor, o blog Falou e Disse dá sequência às homenagens àquele que é considerado o maior cronista do Cabo de Santo Agostinho (PE) nas últimas três ou quatro décadas. Professor, poeta, escritor, um operário das letras, Douglas Menezes completaria ontem (23.09) 67 anos de idade, mas se despediu da cidade e da gente que tanto amou no dia 26 de fevereiro deste ano, na Quarta-feira de Cinzas,

Uma canção, por favor, dá título ao último livro de crônicas publicado por Douglas Menezes, em agosto do ano passado. São 46 crônicas que o blog publicará a cada dia. A homenagem foi iniciada ontem, com a publicação da reportagem Douglas Menezes, um operário das letras.