Falando em flores

Por

Por Eugenio Jerônimo
Em 31.10.2020

Um fato extraordinário toma as ruas do Recife. É a florada dos ipês. Em si, o fenômeno naturalmente é cíclico e não se esquece de acontecer uma vez por ano. O que o faz extraordinário é a conjuntura porque vivemos tempos nos quais personagens insepultas da Idade Média assombram o Brasil do século XXI. Seus atos e omissões atentam contra a natureza e afrontam a ciência, o que significa a mais perfeita estratégia de eliminação da vida. Por causa desse comportamento, vastas áreas da floresta amazônica e do Pantanal mato-grossense são reduzidas a cinza e a população é incitada a rebelar-se contra a vacina que pode salvá-la da pandemia do novo coronavírus.

Estas árvores nem são muitas, mas, vista uma, ela parece nos seguir pela aridez da cidade, multiplicando a beleza vigorosa de suas flores roxas nas esquinas tristes, insurgindo-se contra a floresta de postes sisudos e fios embaraçosos.

Como significa coisas esta florada. Nenhum dos outdoors com os quais disputa espaço na Babel publicitária tem slogans tão persuasivos. A leitura, sob o pano de fundo da barbárie ecológica que os reacionários perpetram no Brasil atual, um floresticídio, dos ipês florados faz evocar pensamentos como: “É esta beleza que a ganância está extinguindo para sempre”; ou “Tão belo quanto frágil”.

As flores primogênitas já vão cumprindo sua exposição e começam e atapetar o asfalto opositor do verde. Beleza póstuma e ainda vívida. E a cena sugere um pensamento que inquieta séculos de humanidade porque não é fácil, talvez nem possível seja, praticar o que ele aconselha: “Carpe diem”.

*Eugenio Jerônimo é escritor. Autor de Aluga-se janela para suicidas (2009, contos); Gramática do chover no Sertão (poesia, 2016); O que eu disse e o que me disseram – a improvável vida de Geraldo Freire (2017, biografia – em coautoria). Escreve aos sábados.