Saudades de Colette Catta
José Ambrósio dos Santos*
Em 06.11.2020
Ontem fui a Escada – município da Mata Sul – e de lá até Vitória de Santo Antão, via PE-45, inteiramente margeada por extensos canaviais. Pouco antes de chegar à terra de Osman Lins fiz uma rápida parada na entrada de Juçaral, um pequeno distrito do Cabo de Santo Agostinho onde foram escritas belíssimas páginas de doação, dedicação, solidariedade e amor pela missionária francesa Colette Catta. Coincidentemente, estive no pequeno povoado também no dia 05 de novembro de 2016, quando a comunidade se despedia daquela que o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, chamou de “mãe” de Juçaral.
Aproveitei a parada para rever crônica que escrevi naquele dia, há quatro anos, e que hoje publico, como forma de homenagear e reverenciar a valorosa enfermeira e missionária francesa que salvou muitas vidas, devolveu a esperança e despertou a consciência cidadã de uma gente até então esquecida pelo poder público e que sobrevivia basicamente do duro e penoso trabalho do plantio e corte da cana de açúcar. Segue a cônica:
O adeus à “mãe” de Juçaral
“O que estamos celebrando não é uma missa de corpo presente, mas uma Missa de Ação de Graças. A vida de Colette Catta foi inteiramente de doação aos pobres. Foram 95 anos de bênçãos, de graças dessa que é a mãe de Juçaral”, ressaltou Dom Saburido um pouco antes do cortejo, logo no início da missa no salão paroquial da igreja de São José, no distrito de Juçaral, na área rural do Cabo de Santo Agostinho.
Não houve prantos, mas as lágrimas corriam nas faces de muitos, principalmente daqueles e daquelas que se beneficiaram diretamente do trabalho de Colette Catta, a enfermeira e missionária francesa que chegou a Juçaral há 43 anos, fincou raízes e construiu a comunidade Arca de Noé, que abriga creche e escola, e mudou a realidade de crianças, jovens e adultos, inclusive lhes devolvendo a esperança e despertando a consciência cidadã. Lágrimas também corriam dos olhos de quem conhecia a vida e a obra de Colette. Mas as lágrimas foram mais abundantes naquelas e naqueles que eram tidos como “filhos” de Colette.
E as sementes plantadas por Colette foram muitas. Freira da congregação agostiniana Irmãozinhos da Assunção, que atua em praticamente todo o mundo em áreas industriais, Colette chegou a Juçaral em 1974, juntamente com duas amigas e ficou chocada. Ela já conhecia a miséria do Nordeste através de reportagens e da peça adaptada do livro ‘Morte e Vida Severina’, de João Cabral de Melo Neto. Também conhecia nordestinos que chegavam a São Paulo fugindo da seca. Com a ajuda do padre Carlos – um belga que por ser estrangeiro lutava contra o preconceito da comunidade – instalou-se com as amigas em uma casinha onde viveu até seus últimos dias e que foi ponto de partida para a construção da comunidade Arca de Noé.
Cheia de sonhos, de idealismos e também de reflexão profunda sobre as condições de vida e de trabalho no contato com doentes, crianças da escola e dos familiares de cortadores de cana, Colette passou a integrar-se à desconfiada comunidade (também era estrangeira). Enfrentou situações bastante difíceis, mas não suficientes para assustar a quem se decidira por uma vida de doação e viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial na Paris sitiada pelos alemães. A jovem Colette Cata chegou a passar fome fugindo e escondendo-se das tropas de Adolf Hitler.
A partir da dedicação aos pobres e doentes, aceitou a guarda de dois meninos de famílias atingidas por doenças e incapacitadas para cuidar dos filhos. Foram eles Tony, que chegou com três meses, e Damião, com um ano e meio.
Foi então que organizou uma pequena escola maternal na casa onde morava o padre Carlos, também na área onde mais tarde se constituiria a comunidade Arca de Noé. Em pouco tempo eram 30 crianças na escola e o local ficou pequeno.
Com a ajuda de amigos, de parentes da Europa e também de brasileiros, além da ONG francesa Lês Freres D’Esperança, uma nova escola ficou logo pronta e recebeu 60 crianças de quatro a seis anos de idade. Com o passar do tempo, Colette e suas amigas observaram que muitas das crianças de quatro anos não alcançavam o desenvolvimento normal para a idade e decidiram construir uma creche. Ninguém em Juçaral sabia o que era uma creche. Elas passaram a visitar as famílias de porta em porta e, em 1984, inauguraram a creche Irmãozinhos de Esperança. Ela teve em Elias Gomes um importante aliado em suas três administrações (1983/1988, 1997/2000 e 2001/2004).
“Logo passamos a perceber o despertar das mentes, da boa convivência geral e a mortalidade infantil diminuiu”, contou, admitindo considerar que sem essa ação, muitas das crianças da comunidade possivelmente não teriam sobrevivido.
“Dos primeiros, muitos estão formados, casados, com saúde. São hoje homens e mulheres que pensam”, exultou Colette Catta em entrevista ao jornal semanário Tribuna Popular (extinto). “Não se muda o mundo se não se muda a si mesmo”, completou, sempre exibindo um sorriso franco e alegre.
Essa história nica vai acabar pois com as sementes que ela plantou os fritos serão sempre colhidos se perpetuando ao longo dos tempos com aqueles que passaram por suas mãos e hoje constituem família ou não.
Tony Catta
Isso mesmo Tony. E você é um dos frutos do trabalho dedicado de Colette. Como ela – no ofício de educador – sempre empenhado na construção de um mundo melhor, honrando, assim, o legado da francesinha que amava a terrinha que adotou e que a adotou e abraçou.
Boas lembranças, bela homenagem a Colete Catta. Ela deixou um legado muito importante para a sociedade. Valeu.
Carlos Sinésio
Uma vida inspiradora a de Colette Catta, Carlos Sinésio.
Ambrósio, sua sensibilidade em nos relembrar de Collete Catta nos faz repensar a importância do trabalho que foi realizado em Juçaral. Os frutos deixados das ações plantadas por Collete, com certeza, darão continuidade a missão de cuidar do outro e, especial, das crianças.
Parabéns pelo texto.
Edilene, você conheceu o belo e apaixonado trabalho desenvolvido por Colette Catta. A frondosa árvore que plantou e cultivouao lado da Pedra da Pimenta já frutifica e há de ter perenidade.
Caro Ambrósio, você com sensibilidade e carinho descreveu a bela figura da Irmã Colette. Tive a oportunidade de conhece-la nos anos noventa. Missionária humanista que acolhia a todos com muita atenção. Cuidava das pessoas da comunidade de Juçaral, entendendo, como irmãos e irmãs de vida. Parabéns pelo generoso artigo dedicada a essa heroína que aqui marcou sua estada, deixando um legado inesquecível para a comunidade.
Pois é, Roberto Arrais. Colette Catta dedicou 43 anos da sua vida ao cuidar do povo humilde Juçaral. Cuidou como uma verdadeira mãe, como bem definiu o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, que é natural de Juçaral. Veja essa frase dita a este repórter em entrevista ao jornal semanário Tribuna Popular (extinto), que traduz o sentimento de entrega e pertencimento de Colette Catta à comunidade de Juçaral. “Essa amizade, essa confiança, esses abraços enchem de alegria essa ‘velha mãe’, de maneira que sinto a plenitude da vida e me sinto realizada em minha espiritualidade.”