Palestina: “Ninguém apareceu por aqui durante um ano”

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Médicos Sem Fronteiras

Em 04.02.2021

Algumas comunidades na “Área C” de Hebron enfrentam desafios para obter cuidados básicos de saúde devido a restrições administrativas e falta de transporte

Mais da metade da Cisjordânia está sob a designação da Área C, o que significa que está sob controle civil e militar israelense direto, o que, entre outras coisas, se traduz em barreiras de acesso à saúde para os aproximadamente 300 mil palestinos que vivem em pequenas comunidades dispersas. Mais de um terço deles depende de clínicas móveis para obter serviços de saúde essenciais.

Chegar à clínica mais próxima geralmente envolve custos com os quais as pessoas não podem arcar, inclusive porque não há transporte público para percorrer longas distâncias. As más condições das estradas também impedem que as ambulâncias cheguem às comunidades necessitadas. Existem também os casos em que é preciso internação ou proximidade aos serviços de saúde, como, por exemplo, gravidez.

Masafer Yatta, na província de Hebron, é uma zona da “Área C” onde, por um longo tempo, praticamente não havia serviços médicos disponíveis, já que as organizações nacionais que realizam clínicas móveis suspenderam suas atividades por uma série de razões, incluindo cortes de financiamento e legislação mais rígida com impacto sobre ONGs locais. A situação foi agravada pelas necessidades urgentes do sistema de saúde devido à pandemia de COVID-19.

Algumas semanas atrás, equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) começaram a visitar essas comunidades novamente para fornecer cuidados básicos de saúde, com uma série de atividades, incluindo consultas ambulatoriais gerais (com foco em crianças e pacientes com doenças crônicas), saúde reprodutiva, saúde mental e triagem nutricional. Os exames básicos também são realizados nessas clínicas e os casos graves ou que precisam de mais exames são transferidos para o hospital disponível mais próximo, na cidade de Yatta.

Desde novembro, MSF tem visitado regularmente três áreas – Dkaika, Djinba e Khirbet Al Fakheit – e, na semana passada, uma quarta, Um Gussa, foi adicionada. Nossas equipes são compostas por um médico, uma enfermeira, uma parteira, um especialista em saúde mental e um promotor de saúde. Quase 300 consultas foram realizadas desde o início das atividades.

“Ninguém apareceu aqui por um ano e nosso pessoal teve que ir até Yatta para ter acesso a serviços de saúde”, explica Mohamad Ayoub Hamad, um líder comunitário em Khirbet al Fakheit, onde equipes de MSF realizam atividades médicas móveis. “Foi uma situação muito difícil, principalmente para as mulheres grávidas. Em termos simples, as famílias sem carro enfrentam um grande problema”, acrescenta.

As mulheres que vivem na região enfrentam desafios específicos para ter acesso à saúde. Os homens vão regularmente à cidade mais próxima, Yatta, para comprar e vender produtos e podem procurar serviços de saúde lá, se necessário. Mas as mulheres costumam trabalhar 24 horas por dia nas fazendas e, como não há substitutos, muitas tendem a negligenciar a saúde e esperar até que sua condição se agrave antes de procurar atendimento médico. Além disso, não há sistema de transporte público em Masafer Yatta e, mesmo que algumas famílias tenham carro, eles são considerados “ilegais”, pois não estão registrados e podem ser confiscados a qualquer momento.

Rasha viajou para a clínica móvel em Khirbet Al Fakheit de burro, partindo de sua aldeia. “As coisas estão completamente diferentes agora. Pelo menos temos um médico nos visitando semanalmente e podemos conseguir medicamentos. Antes, se eu precisasse para mim ou para os filhos, eu dava uma volta por todas as casas da aldeia para ver se os vizinhos tinham”, explica. Na semana anterior, Rasha trouxe seus dois filhos para um check-up. Além de todos os seus problemas, ela diz que “agora estamos com pouco dinheiro nesta época do ano, pois não temos queijo ou leite em pó para vender.”

Um obstáculo adicional nesta área é que a população da Área C não tem permissão para construir qualquer estrutura permanente ou semipermanente sem uma autorização das autoridades israelenses, que raramente é concedida. Mesmo as estruturas humildes usadas por MSF para realizar as clínicas móveis, como a de Khirbet Al Fakheit, estão sob ameaça de serem derrubadas. Desde 2012, a escola e a clínica ao lado têm uma ordem de demolição, o que significa que podem ser demolidas a qualquer momento.

“Esperamos que algumas organizações nacionais ou o Ministério da Saúde palestino tenham em breve a capacidade e o financiamento para fornecer serviços novamente às comunidades que vivem em áreas como Masafer Yatta,” diz Katharina Lange, coordenadora do projeto de MSF em Hebron.

Foto destaque: Katharina Lange/MSF