Indiferença, radicalismo e ingenuidade. Melhor a precaução do que o reparo
Ayrton Maciel*
Em 23.03.2021
O Brasil vive uma época angustiadora, estressante e de perspectivas distantes. O mundo vive tempos de guerra, embora em época de paz, devido a uma pandemia desestruturadora das economias e das bases sociais. O Brasil está impactado pela Covid-19, mas sofre duplamente, porque padece – simultaneamente – de uma pandemia política, a Bolsonaro-18. É assustador? Sim, porque a paz virou sinônimo de utopia. A “desnoção” é um neologismo apropriado para a falta de razão absoluta ou da absoluta razão (tudo no mesmo é a mesma coisa). Jair Bolsonaro não mede as consequências de seus atos ou propositalmente mede, o que dá no mesmo.
De uma visão geral, a partir do Planalto, o país está sem rumo, acéfalo, com governadores e prefeitos (tronco e membros) desnorteados, mas, heroicamente, há um ano buscando diminuir os impactos da Covid-19 sobre os brasileiros. Isso, tendo o presidente da República – do outro lado da corda -, a sabotar e a inflamar negacionistas, neonazistas (eles marcham como marcharam os de Hitler) e apologistas do caos a promoverem um clima permanente de ameaça militar, desobediência civil e de anarquia, combustíveis para o seu alienado e alucinado desejo de ser ditador. Chega a ser patético, como num filme de Chaplin, mas é assustador. O país – a sua maioria – quer paz para se restaurar: cabeça, tronco e membros.
Em redes sociais, dois vídeos – talvez recentes – estão sendo compartilhados por fanáticos de Bolsonaro: um mostra um pai com uma filha de cerca de quatro anos no portão de um quartel do Exército, no Paraná, apelando por uma intervenção. Fala em ameaça comunista, em invasão de casas e pede armas para a defesa. Ajoelha-se, tenta forçar a criança atônita a falar, o que não consegue. O que passa na cabeça de uma criança sobre aquelas cenas? Próximos, manifestantes com camisas e bandeiras do Brasil. No outro vídeo, a imagem da depredação de um supermercado em cidade do interior, acompanhada pela voz do autor do vídeo : “Está começando. Tiros, escutem, tiros”.
Mesmo que não sejam recentes ou autênticos, não se duvide: é o desejo compartilhado por esses manifestantes que estão nas ruas em plena pandemia. É preocupante porque Bolsonaro é o combustível alimentador de uma máquina neonazista que vê nos militares a “solução final” para os males reais e os males paranoicos do Brasil. Bolsonaro retroalimenta o discurso, uma vez que se vê como “messias”. Uma amostra: fala em Estado de Sítio como fala em cloroquina, com a naturalidade esquizofrênica de quem acredita que é a panaceia. A ideologia domina Bolsonaro – e seus adeptos -, é só o que enxerga e está por trás de tudo que faz. E pelo que o move, não mede consequências.
É automática a dedução dos argumentos de um fanático ideológico, no caso posto, de direita. Quem nunca ouviu tais argumentos? Interpretações como: “o problema do BR é nunca ter tido uma guerra civil (para se fazer uma limpeza, imagina-se”, “nunca ter se executado uns 30 mil (supostos ou reais comunistas, escolhidos por indicação)”, como que, matando “os esquerdistas” as ideias de esquerda desaparecerão. Cabeças fanáticas não veem nem lado moral num genocídio. Há uma vontade, a partir da imagem do “pensamento único”, inspirada na “idealização de união” que a guerra civil americana (1861-1865) teria gerado nos EUA. E há a vontade de não ter oposição, pela concepção de que oposição é um inimigo sempre a ser batido.
Qual o risco maior, para o país, dessa interpretação da realidade e do desejo de um pensamento único? É não ter uma oposição articulada, interna e externamente (em especial). Faz diferença. Estar articulada a países democráticos, lideranças e organismos de direitos humanos, é uma condição essencial – para uma oposição – em situações de ameaças à estabilidade política e às liberdades democráticas de um país. Inclusive, para conter aventuras tresloucadas e turbas furiosas. Que não se engane: há quem queira um banho de sangue no país, para “purificar politicamente a nação”. Por isso, há quem marche – como por Copacabana – e delire nos discursos.
Surpreende ver, no Brasil, tantos a negar a ciência, a condenar as vacinas ou a imaginar o Planeta como uma tábua e a marchar por uma “solução final militar”. Unicamente copiam o que absorvem. Bolsonaro, ao repetir o termo “o meu Exército”, fala com a convicção de que é dele mesmo. É assustador? Sim, pois a mentalidade é o combustível que alimenta o discurso e acirra o desejo. E não se conhece o limite da concordância. A oposição sabe que a contenção de aventuras não está apenas no STF e no Congresso Nacional – poderes civis e frequentemente agredidos -, mas, também, na articulação externa. A ingenuidade, numa oposição política, é a capa da omissão.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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Foto destaque: Governadores cobram mais UTIs e compra unificada de medicamentos para o enfrentamento à Covid-19 – www12.senado.leg.br