A água para o desenvolvimento sustentável justo e igual
Marloca Jovchelovitch Noleto, Rafael Zavala, e Carlo Pereira
Em 22.03.2021
A escassez de água é um dos maiores riscos para o futuro global. Em todo o mundo, o desaparecimento de rios e nascentes, a poluição, o desperdício, a dificuldade de acesso e o impacto das atividades humanas no meio ambiente dificultam uma governança responsável da água. Isso também limita o acesso da população às inovações tecnológicas para seu melhor aproveitamento, bem como reduz os espaços de inclusão e o diálogo efetivo para solucionar problemas. Assim, recuperar os recursos hídricos é imperativo para garantir um desenvolvimento sustentável capaz de suprir as necessidades das próximas gerações.
Nesta segunda-feira (22), Dia Mundial da Água, com o lançamento do Relatório Mundial sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2021, a Unesco, a FAO e a Rede Brasil do Pacto Global, com o apoio de mais de 20 agências do Sistema ONU, reafirmam o compromisso de atuar na conscientização e na transição rumo a economias verdes, trabalhando com os Estados-membros na construção de políticas hídricas integradas e eficientes.
Com o tema “O valor da água”, o relatório apresenta dados alarmantes. O consumo de água doce aumentou seis vezes no último século e continua a avançar a uma taxa de 1% ao ano, fruto do crescimento populacional, do desenvolvimento econômico e dos padrões de consumo. A qualidade do bem diminuiu exponencialmente, e o estresse hídrico, mensurado pela disponibilidade em função do suprimento, já afeta mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Muitas regiões enfrentam a chamada “escassez econômica de água”: ela está fisicamente disponível, mas não há infraestrutura para o acesso. E isso ocorre em um horizonte de crescimento no consumo de quase 25% até 2030.
No Brasil, as fontes de captação – majoritariamente mananciais– não assistiram a avanços em inovações que pudessem evitar de forma significativa o desperdício, um dos principais problemas enfrentados. A má qualidade da água nas regiões de baixa renda, resultado da falta de saneamento básico e higiene, é um vetor que afeta todo o sistema de saúde. Em um momento de crise causada pela pandemia de Covid-19, a falta de condições para a higienização multiplica os riscos de contágio. Se isso acontece em um dos países com maior potencial hídrico em todo o mundo, o impacto é ainda maior em países semiáridos de baixa renda econômica.
Caso o cenário não se altere, o mundo vai enfrentar um déficit hídrico de 40% até 2030. A solução envolve ações integradas de governos, iniciativa privada, sociedade e organizações da sociedade civil (OSCs), com caráter preventivo e corretivo, que permitam o intercâmbio de expertise no campo da gestão. Isso significa investimentos em pesquisas e coleta de dados, para garantir a eficácia da utilização responsável e o reúso da água; em alternativas para o armazenamento e o fornecimento; no combate ao desperdício; e na preservação dos ecossistemas naturais.
O valor agregado da água para as diversas atividades econômicas é subestimado, e outros valores —como os ecossistêmicos, recreativos, culturais e espirituais— são frequentemente negligenciados. É preciso reconhecer que essa lacuna tem resultado em desigualdades no acesso aos recursos e aos serviços hídricos. Além disso, a necessidade de produzir mais alimentos com menos água também é urgente. Hoje, em várias partes do mundo, existe uma disputa entre a água para a agricultura e a água para as cidades –um conflito que deve ser resolvido nesses espaços de governança, sejam eles locais, regionais, nacionais ou supranacionais.
A água é um fator crítico para todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. É o alimento básico da humanidade e a origem de todos os alimentos para todas as espécies. Uma governança responsável desse direito humano passa por uma mudança de educação e de comportamento. Este é um apelo global: ao garantirmos que as pessoas, em todos os lugares, tenham acesso à água com qualidade e em quantidade suficiente, também estaremos assegurando uma condição indispensável para um desenvolvimento socioeconômico mais justo e igualitário em que ninguém seja deixado para trás.
Marloca Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da Unesco no Brasil
Rafael Zavala, representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil
Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global
Foto destaque: Cachoeira em Ituporanga, Santa Catarina – Luis Fernando Felipe Alves/Unsplash