Uma carta de amor e medo
Jénerson Alves*
Em 26.03.2021
Prezada senhora
Escrevo-te esta carta, mas com um sentimento de que bem poder-te-ia entregar uma página em branco que talvez te fizesse o mesmo efeito. Essa impressão se dá por dois motivos. O primeiro é oriundo das feridas mais íntimas de minh’alma, as quais me impelem a crer que não terás disposição para ler estas mal traçadas linhas. Quiçá seja porque também pouco te dispões a ouvir-me. Ou, se me ouves, pouco me entendes. Entretanto, como entender-me-ias? E de tal indagação provém o segundo motivo pelo qual possivelmente me seja inútil escrever-te. Não possuo técnica e engenho para expressar-me plenamente. Minha linguagem não reflete a densidade de minhas ideias, meus juízos são parvos, meus raciocínios são refratários. Vejo-me obrigado a expor tais circunstâncias para dizer-te que tive de lançar mão das mesmas ao criar coragem para lançar mão sobre a pena e escrever-te.
Quisera deixar-te um afago perene, pois sinto que minha presença é temporária. Em algum momento, em alguma esquina, poderei já não ser; e o que era não te fora suficiente, porém sincero. Sei que minha insuficiência advém de minha humanidade, eivada pela inconstância, pela dúvida e, sobretudo, pelo medo. Lembro-me da admoestação do Discípulo Amado: “perfecta caritas fora mittit timorem”. Entretanto, não te amo com amor perfeito. Como ser imperfeito, amo-te de forma imperfeita. Dessarte, amo-te com temor. Somente Quem é perfeito ama perfeitamente e lança fora todo o temor.
O que temes?, por certo te perguntas. Ora, temo o que não posso governar. Não possuo domínio sobre contingências, sobre o tempo, sobre ventos, sobre tempestades, sobre o sol, nem sobre a chuva. Temo que, por causa de minhas limitações, lágrimas escorram por tua face bela. Temo não ser capaz de semear sorrisos em todos os momentos. Temo não ter forças para amparar tuas fraquezas.
Temo, sobretudo, o tempo. Conta-se que Fernando Pessoa certa vez escreveu um bilhete que apenas dizia: “não sei o que o amanhã me trará”. Também ignoro o que virá no próximo minuto. E temo não estar pronto para enfrentar batalhas que sobrevirão…
Saibas, porém, que embora não te ame com perfeito amor, amo-te com amor que brota da alma. Não é o tangível que explica meu sentimento. Se assim é, que seja como nos diz o verso de Camões: “E amor é efeito de alma e sempre dura”.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto destaque: Crédito da foto: Adriano Gadini/Pixabay