Planeta Terra: poderemos mudar o rumo da devastação?

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 26.04.2021

É responsabilidade nossa criar as condições para que se recuperem as reservas naturais e se tenha um lugar onde possamos viver em paz, sem guerras e com equidade e respeito.

Na semana passada tivemos mais uma reunião de cúpula de governos com vistas a tratar das questões referentes ao aquecimento global que desequilibra as chuvas, interfere no clima e produz mudanças nos ecossistemas responsáveis pela vida no planeta Terra. Espera-se a tomada de medidas para conter o desmatamento, sobretudo na Amazônia, frear o aquecimento global e neutralizar as emissões de carbono.

Cresci aprendendo na família e na escola que o ser humano é o único dono de todas as riquezas da Terra e a ele competia dominar todos os outros seres vivos. Na família, pela educação fundamentada em raízes cristãs, católicas. A escola seguiu os mesmos fundamentos, nos quais salientava-se que o homem, na qualidade de ser humano é o “rei”, o “mandatário”.

Logo cedo aprendemos que o Planeta Terra, também conhecido como mundo, planeta azul ou planeta água, porque tem cerca de 70% da sua superfície coberta por água, e que a existência da água em seu estado líquido, juntamente à presença do oxigênio e a capacidade de reciclar gás carbônico, fazem da Terra um planeta com características únicas.

“E que a Terra não é “viva” apenas sob a ótica biológica, mas também sob a ótica atmosférica, geológica e física, uma vez que tudo isso está em constante transformação. Quanto à sua formação, estima-se ocorreu há aproximadamente 4,56 bilhões de anos”, assim afirmam alguns estudiosos. (Rafaela Sousa, Planeta Terra-Brasil Escola)

Aprendemos também que o planeta em que vivemos possui recursos naturais em abundância, renováveis e não renováveis que servem ao nosso sustento, à manutenção da nossa vida e de todos os outros seres vivos, com alimentos, energia, minerais e outros.

O planeta está envolto por três camadas: atmosfera, uma camada gasosa que o protege de radiações solares e mantém o equilíbrio térmico; hidrosfera, que compreende o sistema de rios e fontes de águas naturais, os mares, as águas subterrâneas e os lagos; biosfera, que compõe o conjunto de ecossistemas nos pontos mais elevados e também nos mais profundos dos oceanos.

No entanto, demoramos muito tempo para entender que não éramos seres soberanos no desenvolvimento de nossas vidas em relação às outras, animais e vegetais e que os recursos existentes no planeta são finitos, se não considerarmos os efeitos de causalidade, no manejo dos sistemas ecológicos. Ou seja, se usamos o solo e não o protegemos com uma boa reposição de seus minerais e de suas matérias orgânicas, e se devastarmos as matas e não fizermos novos plantios de árvores, perderemos a perenidade das fontes de águas naturais.

Nasci e cresci até a adolescência numa região ao pé da Chapada da Ibiapaba, no Ceará, de onde caiam muitas cachoeiras em tempos de chuva, formadas pelas fontes de água existentes na montanha. Uma delas formada pelo riacho Ipuçaba, que se debruça no beiral da chapada à uma altura de 180 metros e num formato de véu de noiva se lançava da ribanceira e atravessava os campos férteis rumo ao sertão. Conta a história que seguindo o caminho das águas do riacho, os índios Tabajaras e Tapuias caminhavam, iam e vinham, da serra para o sertão e vice versa, em busca da pesca, frutas e sementes para sobrevivência. Desciam a serra por uma escada escavada na pedra da montanha e daí foi surgindo uma povoação que em 1840 denominou-se Vila do Ipu Grande.

Ainda criança, final da década de 1940/50, podíamos usufruir do bem estar e da beleza que a natureza oferecia naquele lugar, como tomar banho nas cachoeiras, visitar os engenhos de cana de açúcar, comer rapadura quente, colher frutas nas árvores. Tudo isso sem prejudicar a frequência à escola e fazendo grandes caminhadas ou andando de bicicleta. O riacho passava pelos quintais das casas, atravessando a cidade que ia se construindo conforme o seu desenho, e o quintal da minha avó era um paraíso, porque nos permitia ficar horas brincando nas suas águas cristalinas, ao longo do seu curso.

A população sobrevivia à maneira herdada dos índios, ainda quase como nômades. Faziam seus plantios de feijão, milho e algodão no sertão, área de clima quente, e outras culturas como café, cana de açúcar, frutas, fumo, batatas e macaxeiras eram plantadas na montanha, onde se abrigavam ao micro clima, com temperaturas que à época beiravam os 15º.

Mas, já observávamos que a cidade crescia sem saneamento básico, com os esgotos correndo para o riacho. Muitas árvores frutíferas eram dizimadas para dar lugar à construção de avenidas e residências. Município com a maioria da população pobre tinha a necessidade de extrair madeira para construir suas residências, de caçar animais para alimentação. Era normal, aos sábados, encontrarmos na feira uma fartura de animais abatidos como marreco, pato, tatu, preá, peixes de vários tipos e outros que abasteciam o cardápio dos moradores da cidade. A criançada se abastecia de frutas variadas, a exemplo de manga, caju, pinha e oiti nas ruas da cidade. Não precisava dinheiro para comprar frutas, mel e rapadura quente nos engenhos de açúcar.

Nós, estudantes, aprendíamos na escola os conhecimentos sobre o planeta que eram oferecidos nas aulas de geografia. Nem de longe percebíamos que  todo aquele paraíso já começava a passar por mudanças derivadas da ganancia do capital e da incapacidade de perceber que duas questões já ameaçavam o planeta: as ações desordenadas próprias da exploração capitalista que ameaçam a terra, pondo fim às suas reservas naturais, e a destruição das condições de vida das populações pobres, ribeirinhas, pequenos agricultores, quilombolas e populações indígenas que necessitam de se utilizar dos recursos naturais para sua sobrevivência.

De fato, houve uma transição acelerada da produção da cultura de subsistência para os grandes plantios que hoje intitulamos de agronegócio.

Além do mais, a revolução industrial cuidou de intensificar a poluição e impulsionou outros processos no modo de produção capitalista que – de forma desregrada e devastadora e movidos pela ganância dos patrões, por um lado, e do outro pela sobrevivência da força de trabalho – provoca a quase destruição dos recursos naturais responsáveis pela manutenção da vida no Planeta Terra.

No Brasil, a migração das zonas rurais para as grandes cidades, criando as grandes regiões metropolitanas, produziu verdadeiras cidades “acumuladoras” de pessoas, sem preocupação com o devido uso do solo, aproveitamento das fontes de água, e a garantia de direitos na ocupação da força de trabalho. Sem planejamento racional das políticas públicas.

Em 2000, tínhamos 82% da nossa população residindo nas cidades. A previsão é que a urbanização ainda persistirá, é verdade, menos intensamente, exceto no Norte e no Nordeste, nas quais o êxodo rural se acelera. (previsão de Eliseu Alves, em artigo Migração Rural Urbana…publicado em 2006/EMBRAPA)

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015 indicam que a maior parte da população brasileira, 84,72%, vive em áreas urbanas. Já 15,28% dos brasileiros vivem em áreas rurais. A intensificação do processo migratório aconteceu nas décadas de 1970 e 1980. Previsão acertada.

Para manter essa “loucura” nos tempos atuais, segundo Nurit Bensusan, assessora do ISA especialista em Biodiversidade, “invadimos e destruímos florestas, savanas, campos e mares, forçando os animais a mudarem de lugar e muitas vezes, por falta de opção, passarem a compartilhar conosco espaços cheios de humanos. Arrancamos barbatanas de tubarão, chifres de rinocerontes, presas de elefantes, escamas de pangolins e deixamos esses animais morrerem em longo sofrimento. Caçamos animais ferozes em busca de troféus e de encontrar vislumbres de coragem, dentro de nós mesmos…”

Começamos a enxergar tardiamente que o “progresso” não traz a bem aventurança, se acontecido no formato da exploração, e que é dessas relações entre homem e natureza, intermediadas pelas relações movidas pela ganância, mediadas por sistemas de poder político e econômico, quando o planeta se viu sufocado pela elevação do clima, é que apareceram muitas pandemias que aterrorizaram o ser humano, como essa do novo coronavírus.

A cada árvore que é retirada do seu convívio nas matas, a cada fonte de água que é sufocada pela ausência de árvores nas proximidades, corresponde uma piora na crise climática que deteriora a qualidade de vida.

Sabemos que todo vírus que circula na natureza precisa de um outro ser vivo para se reproduzir.

A questão que não entendíamos 60 anos atrás, enquanto achávamos que vivíamos num paraíso, é que no espaço político reservado à chamada guerra fria entre os países mais poderosos do planeta, houve a aceleração da devastação do planeta e a contenção da ciência disciplinada pelas eficácias tecnológicas para manutenção do sistema capitalista e pela vontade da política no seu mais baixo grau.

Além isso, percebemos com mais frequência que os processos políticos nos regimes democráticos não têm gerado decisões que beneficiem o modo de vida dos que mais precisam. Em seu artigo síntese do seu livro “Jamais fomos Modernos”, Bruno Latour indaga:  “Seria necessária uma outra democracia? Uma democracia estendida as coisas”? Se refere ao emaranhado de argumentos e decisões decorrente das manobras políticas e interesses que reduzem as verdades científicas a um plano inferior. É o que estamos vivendo agora, atravessando a pandemia.

Então, para onde vamos?

Precisamos trabalhar a noção de que os problemas que contribuem para o aquecimento climático, além de contaminar rios e mares e promover a extinção de várias espécies de animais, parecem ter relação intensa com o surgimento de pandemias.

Valdeci Pedro da Silva, urbanista de Alagoas, aponta a contradição do regime capitalista: “ele segue firme e em ritmo cada vez mais acelerado em direção à extinção total das condições de vida no planeta Terra, mas faz isto, sempre, de forma aparentemente justificada, pois a vida dos governos de seus Estados e a vida das pessoas dependem de seu desenvolvimento, enquanto ele existir”.

No entanto, a pandemia traz uma espantosa lição: o mundo pode desacelerar para corrigir distorções como a mortalidade de grande contingente de pessoas vítimas justamente da pandemia.

Poderá também corrigir os rumos que conduzem à devastação do Planeta Terra?

Em artigo recente, Bruno Lantour se manifesta: “Ora, se o mundo pode desacelerar por conta da pandemia, ele também poderia fazê-lo para combater os efeitos nefastos da crise climática. Ou seja, uma das consequências dessa parada global, desse momento de isolamento físico, é que podemos vislumbrar outras possibilidades de mundo”.

Alguns especialistas acreditam que se a destruição das florestas continuar em ritmo acelerado, as florestas tropicais desaparecerão em cerca de 20 anos.

De acordo com boletim divulgado pelo Imazon, (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) nesta segunda-feira (19), a destruição na Amazônia Legal totalizou 810 quilômetros quadrados no mês passado (março/2021), um aumento de 216% em relação a março de 2020.

É responsabilidade nossa criar as condições para que se recuperem as reservas naturais e se tenha um lugar onde possamos viver em paz, sem guerras e com equidade e respeito.

O ser humano é apenas mais um ser vivo no Planeta Terra que precisa conviver com todos os outros, respeitando as especificidades e a vida de cada um.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.