Os olhos e o silêncio de Maria

Por

Jénerson Alves*

Em 03.03.2023

Segundo o professor Frederico Lourenço, quando se trata do estudo acerca da Bíblia, “além de lermos teólogos e biblistas, devemos também ‘ler’ os grandes pintores, que tantas vezes intuem a essência da verdade”. Concordo com ele, e vejo nas obras de Caravaggio um dos maiores exemplos de como as obras de arte podem elucidar passagens bíblicas, bem como nos motivar a refletir sobre a vida.

Não raramente, pego-me pensando na Madonna de Loreto, pintura que se encontra exposta na Catedral de Santo Agostinho, em Roma. A obra mostra dois peregrinos diante da imagem (ou de uma estátua) da Virgem, descalça e com o Menino Jesus em seus braços. Detalhes vivazes como as varizes no pescoço da mulher ou a sujeira nos pés do homem chamam a atenção tanto de leigos quanto de especialistas.

Uma particularidade atrai meu interesse: os olhos da Madonna, os quais refletem clemência. Reza a tradição cristã que os olhos de Maria estavam acostumados a ver anjos; esses mesmos olhos agora veem os peregrinos e errantes desta terra. Semelhantemente, maravilho-me com os lábios da Agraciada, que se mantêm fechados – talvez porque as palavras não exprimem a plenitude que os olhos espelham.

Na Bíblia, o silêncio faz parte dos costumes da Jovem de Nazaré. São Lucas registra que Maria guardava muitas coisas em seu coração. O Comentário Bíblico Adventista explica que ela “atesourava fielmente em sua recordação” os fatos referentes ao Senhor Jesus Cristo. Ao comentar esse tema, o Geômetra atenta que Maria “assim como concebeu ao Divino Verbo em suas entranhas, também receberia todas as suas ações e todas as suas palavras em seu coração, e nele – por assim dizer – as fomentava”. O Amor que se arraiga no silêncio floresce no olhar, iluminando aqueles – que, como eu – são meros mendigos e andarilhos nesta terra.

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.

Imagem: Madonna de Loreto – Caravaggio