Concórdia

Por

Jénerson Alves*

Em 10.03.2023

Para os romanos, a Concórdia era uma deusa. As antigas moedas romanas contêm sua efígie. Era celebrada tanto em cerimônias privadas quanto em festas públicas. Enfim, um símbolo de compreensão e união. Vale salientar que a deusa grega correspondente a ela chamava-se Harmonia.

Ela representa um princípio cósmico de cooperação. Curiosamente, esse mesmo conceito também é visto na carta de São Clemente Romano aos Coríntios, uma literatura cristã posterior ao Novo Testamento escrita no final do primeiro século. No capítulo XX, o autor cita diversos fenômenos naturais que cumprem seus ciclos de forma pacífica e ordeira. No versículo 11, o bispo arremata: “O grande Criador e Senhor de tudo ordenou todas essas coisas para que existissem em paz e concórdia, já que deseja o bem de todas as criaturas, mostrando-se generoso demais em relação a nós que nos refugiamos em sua misericórdia por nosso Senhor Jesus Cristo”.

Argumentação semelhante é vista no duodécimo capítulo da primeira carta de São Paulo aos Coríntios. Ele narra que os membros de um organismo não podem lutar entre si, mas todos têm sua importância para a permanência da vida. No texto paulino, diz-se que os órgãos considerados menos honrosos devem ser valorizados.

Essa sabedoria milenar foi muito bem traduzida pela poetisa chilena Gabriela Mistral, a qual afirmou que “toda Natureza é uma aspiração de servir”.

Desconectado de tal virtude, o homem contemporâneo anela nesciamente ser servido por outros (inclusive pelo Estado) e, sem perceber, torna-se serviçal de impulsos egoístas que o consomem lentamente. Imerso em um caos interior, desalinhado da ordem eterna, sua alma é como um instrumento desafinado, emitindo um som desarmônico, sem ouvir a Orquestra do Universo.

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.

Imagem: Moeda romana da deusa Concórdia